Enfim, uma boa notícia: o Fluminense vai jogar no grande Rio. Sou torcedor de arquibancada (e geral), tenho frequentado o estádio assiduamente desde 1984, e com rigor religioso desde 1987-88, e não me lembro de ter visto uma distância tão grande do Fluminense com relação ao seu torcedor. São vários os fatores que explicam isso e não gostaria de elencá-los aqui um a um, para não converter esse texto em mais uma coluna-crítica.
Quero, na verdade, falar da boa nova. O estádio do América em Edson Passos me traz ótimas recordações. Estive lá, por exemplo, em 2002, quando o Fluminense goleou o América por 8 x 0. Fui de trem, tranquilo, entrei tranquilo, o Flu massacrou o América, voltei tranquilo. Confesso que não me recordo muito bem da partida, do jogo em si, entre outras razões porque fiquei fascinado com o estádio. Vejam aí como foi a partida:
Tenho uma simpatia especial pelo América, por uma razão muito simples: vi o Diabo ter quase o mesmo estatuto do Botafogo, no começo da década de 1980, e ser simplesmente arrasado pelo establishment do futebol brasileiro. Giuilite Coutinho, presidente do América e presidente da CBF naquela época, deixou um grande legado ao futebol brasileiro: a construção do centro de treinamento da Granja Comari. Tinha ideias “esquisitas”, no entanto, como a limitação das renovações de mandato para presidente da CBF e das federações e acabou batendo de frente com as figuraças que passariam a comandar a entidade a partir do final da década.
Já em 1987, na organização da Copa União, o caldo azedou. Empurraram o América, quarto lugar do campeonato de 1986 (ATENÇÃO: quarto lugar), para o módulo que seria visivelmente desprestigiado na competição organizada pelo Clube dos 13 em 1987. O América se insurgiu contra a sacanagem e acabou sendo empurrado na marra para o rebaixamento. Enquanto todo mundo discutia quem era o campeão legítimo, Sport ou Flamengo, o América era esquartejado. Era o prenúncio da longa decadência que, hoje podemos dizer, matou o América.
A inauguração do estádio em Edson Passos, possibilitado com a grana da venda do terreno histórico do Andaraí ao Shopping Iguatemi, era uma espécie de última cartada do clube. A cartada deu errado por várias razões, dentre as quais se incluem a conivência dos grandes clubes com a política da Ferj de arrasar dissidentes. Mesmo com o estádio à disposição nas épocas de fechamento do Maracanã, era raro seu uso, não por causa da distância ou qualquer outra razão objetiva, mas simplesmente para minar economicamente um clube dissidente. De certa forma, devemos reconhecer, foi uma penalização por trocar a história (o antigo estádio do Andaraí) por uma aposta, o que deve nos servir de lição.
Quando fui ao estádio pela primeira vez, justamente naquela goleada de 2002, fiquei muito impressionado com a construção. Era um estádio bem acabado, limpo, de fácil acesso, com banheiros confortáveis. Beeeeem melhor que, por exemplo, São Januário ou qualquer outro estádio do grande Rio, à exceção do saudoso antigo Maraca, evidentemente. Achei que, expandindo aquele estádio (o projeto prevê até 32 mil lugares), teríamos uma ótima alternativa no grande Rio, mesmo para jogos de porte expressivo.
Infelizmente, as coisas no futebol brasileiro são sempre tortas. O estádio foi praticamente abandonado durante um tempão, teve um uso para lá de esporádico, e creio que tenha se degradado. Não espero encontrar domingo as instalações de alto nível que vi na primeira vez em que estive lá, mas certamente a entrada no estádio me trará ótimos sentimentos.
Também espero que, com aproximação de sua torcida, a Soberana, o Fluminense reencontre a paixão pela vitória, pelo bom futebol. O time montado para esse ano é uma lástima, nosso futebol tem sido relegado ao último plano pela atual administração do clube, todos sabemos, mas também sabemos que se trata do Fluminense. Muitos jogadores só tiveram sucesso em suas carreiras com a nossa camisa, só brilharam vestindo tricolor. Pense em Carlinhos, hoje encostado no São Paulo, que era uma eterna promessa antes de vir para as Laranjeiras e fazer um ano arrasador em 2010. Pense em Tato, em Ézio, no próprio Assis. São muitos os exemplos.
Agora, os jogadores vêm e vão. A Soberana fica e é ela que faz de jogadores medianos heróis eternos. Já vi a torcida do Fluminense fazer pelo menos dois milagres: tirar o clube da série C em 1999 e salvá-lo de um rebaixamento certo em 2009. Já a vi fazer a maior festa que o Maracanã já recebeu, em 2008, já a vi calar a torcida do Flamengo e do Vasco, mesmo inferiorizada em número, muitíssimas vezes. Já vi torcedores simples, modestos, ter uma noção de grandeza do Fluminense ausente em muitos de seus dirigentes.
Eu não aposto no time atual. Mas aposto na torcida. Fizeram de tudo para deixar nosso torcedor em casa, para fazê-lo indiferente com relação ao Fluminense. Eu conheço meu povo, no entanto. Bastará um pequeno gesto de aproximação para que tudo volte como dantes. O amor da Soberana não reduziu ou acabou, está latente com o poder de sempre. Quem sabe o gesto de aproximação não é o jogo de Domingo? Domingo, eu vou a Edson Passos…
NOTA: depois de concluída esta coluna, o clube divulgou os preços extorsivos dos ingressos para o jogo do próximo domingo. Fica registrado aqui meu repúdio à atitude elitista e excludente adotada pela atual gestão do clube. Que fique claro: vocês estão cometendo um crime contra a torcida.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: gr8
Muito bom, João! Como sempre preciso em sua avaliação !