A adega, diante do Shopping dos Antiquários, na rua Siqueira Campos, coração de Copacabana, tem sempre à espera de Chiquinho Zanzibar uma pequena mesa, lá no fundo, meio que na penumbra, no corner do salão. Comunica ao garçom a hora de sua chegada para que lá possa tomar seu conhaque preferido. Tornou o lugar, antes mesmo de ser frequentado pelos moderninhos, seu escritório. Recebia empresários de pouca monta que agenciavam paupérrimos jovens coxudos e espadaúdos, de baixo nível escolar, e que deveriam ser promissores fora das quatro linhas, dentro das quatro paredes, para depois servirem de commodity. Era cheio das manhas, ganhava de pouquinho em pouquinho com porcentagens não muito chamativas, em dinheiro vivo, negociando os menudos, sempre brancos, jamais de cor ou acima do Espírito Santo. As jogadas envolviam mercados menos manjados, como Nigéria, Marrocos e países da antiga Cortina de Ferro. O teste era feito em sua garçonière, um pequeno apartamento no condomínio do Shopping, com sua coleção de discos de vinil que tanto lhe excitavam. Compunham a trilha sonora do prazer que o permitia jorrar e ser jorrado com o sulco da paixão livre e barata, fugaz, descartável: Trio Los Angeles, Gengis Kahn, Nelson Ned, Julio Iglesias, Manolo Otero, Agnaldo Timóteo, Marquinhos Moura e Rosana.
Durante muitos anos, Garrastazu, o papagaio de Chiquinho e Dona Esmeralda, trazido diretamente da Amazônia Legal, de onde vinham os materiais para a confecção das joias da joalheria do sogro, foi levado a assistir muitos destes treinamentos coletivos sexuais. Arcanjo tirava fotos por detrás da cortina de miçangas que separava a sala do quarto, enquanto Garrastazu observava tudo, aos gritos, em um poleiro especial. Zanzi dizia à Esmeralda que era preciso que o bichano visitasse um veterinário de sua confiança, uma vez que, por ser ilegal, não poderia ir a qualquer das dezenas de pet shops de Copacabana. Assim, conseguia autorização de sua amada, mentindo, como sempre, para o bichano fazer parte de sua tropicália sexual. O general, como era chamado por sua dona, cantava árias de ópera, imitava Maria Callas, enfim, era um artista. Logo de manhã, bem cedo, entoava “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo”, arrancando lágrimas do casal enquanto faziam o desjejum.
Contudo, o musical diário, a Broadway reacionária particular, um belo dia, acabou. Zanzi quis logo tomar bola nas costas de um menino vindo das lavouras de cana de Campos dos Goitacazes, indicado por um amigo, à época na FERJ, como produto bom e raro. Daria para zagueiro bola porco do mato que o jogo é de campeonato! Nem passou pela adega, marcou direto no boteco do Shopping, perto da entrada do bloco em que ficava sua alcova. Arcanjo estava, desde cedo, com Garrastazu, no imóvel. A excitação de Chiquinho era tamanha que mordeu os lábios na comemoração dos gols do jogo do final de semana, só de pensar na entrada que tomaria do vigoroso rapaz. Seus beiços estavam para lá de rachados! Já no elevador, o cenário libidinoso já estava sendo construído, com Zanzi amaciando a carne do promíscuo guloso do canavial. Sem cuecas os dois estavam, para agilizar a jogada do gol. Tudo muito rápido, assustando o general, que batia suas azas podadas pelo dono, que prontamente entrou sem as calças correndo para apoiar-se no espaldar da cama king size. Na sequência, gritos de horror! Chiquinho nunca tinha sentido tamanho impacto. Viu estrelas, chegando ao seu ponto G, fazendo-o uivar como uma loba no cio, com lágrimas nos olhos. Tudo veloz e eficiente. O zagueiro chegou forte e preciso. No tempo certo. Mas Zanzi enganou-se com o líquido que sentia escorrer em suas coxas enrugadas e cheias de varizes. Não era esperma, mas sim sangue! O general estava desmaiado, o oportunista candidato a jogador com semblante sereno, esperando o resultado do teste, Arcanjo sem saber ao certo o que fazer, mas com alguma ideia pela sua vasta experiência dos porões do DOI-CODI, e Zanzi zonzo, se contorcendo de terror, mas ainda arrepiado de tesão. O jeito foi telefonar para o ex-chefe da enfermaria da Casa da Morte, em Petrópolis, e ver se estava em seu consultório, no Rio.
Tudo resolvido, em parte. Chiquinho precisava andar de fraldas geriátricas por anos e anos, sempre que exagerasse na dose, ou risse ou tossisse com mais força. Garrastazu estava mudo, não dizia uma palavra. Isso teria ocorrido nos tempos mais felizes e endinheirados de Zanzi, lá por 1988, quando ajudou a destruir o que restava do time tricampeão carioca e campeão brasileiro. Chegou a negociar, em média, de 3 a 8 jogadores obscuros por ano, muitos que nem mesmo chegavam a esquentar o banco, quanto mais serem titulares. Apenas participar do elenco já dava crédito a uma negociação. Depois, abandonava o menino, que mal sabia falar o português, quanto mais outras línguas, à sua sorte em lugares inóspitos. Arcanjo nunca mais falou sobre o ocorrido. Esmeralda ficou perplexa e inconsolável com o lapso de voz que nunca parecia terminar. Era fim de papo para Chiquinho.
Eis que, nos tempos atuais, o general foi levado a uma sessão de psicanálise! Esmeralda havia tentado de tudo, e apelou para o conselho de uma amiga acerca de um novo veterinário e psicólogo de animais que havia aberto uma pet bem transada, na Rua Ministro Viveiros de Castro, esquina com a Belford Roxo. Por que não tentar incentivar uma conversa entre o Freud da bicharada e Garrastazu?
Depois de reuniões e mais reuniões, muitas, aliás, em ano eleitoral, lá pelas oito da noite eis que Zanzi chegou em casa. Vinha frequentando um grupo há anos, espécie de Opus Dei tricolor, denominado Tricolores Associados. Eram verdadeiros rituais de toda a monta, no estilo De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick. Mas essa é outra história que Zanzi ainda está por me revelar. Voltando à vaca fria, ou quente, como queiram… Fazia tempo que não via esposa a tão feliz. Foi quando soube que o general passaria a fazer sessões de psicanálise freudiana duas vezes por semana! E mais! Estaria sendo preparado para sessões de hipnose! Boquiaberto, foi correndo ao banheiro. Não deu tempo. Sorte estar com a fralda. Também vomitou. Era uma catarse de medo, pânico, na realidade. Depois de um dia de intensas reuniões, e de quase conseguir colocar um boy no elenco desse senhor petulante e metido a piadista, um assunto já encerrado voltaria à tona. Desculpou-se com Esmeralda, dizendo que havia comido algo que não teria lhe batido bem, no Bar do Tênis, depois daquela delícia de sauna e do banho da alegria. Fingiu estar feliz com as notícias. Foi pegar um copo de água na cozinha. Ao passar por Garrastazu, encarou-o com seriedade e olhar ameaçador. Pegou o telefone, e, alto, para que o general pudesse ouvir, disse: “Arcanjo, por acaso, você sabe torturar papagaio ou faltou a essa lição no curso da CIA?” Naquele momento, o chão da área de serviço ficou sujo como nunca com os excrementos do bichano. Aquilo não poderia ficar por menos, pensou Zanzibar.
Dormiu pensando que era seu dever relaxar, mas não através da plenitude de seu desejo por ser mulher por alguns momentos. Era coisa de cabeça, da cuca mesmo, das ideias. Eureca! Num estalo, logo ao despertar, decidiu que era preciso adiantar o encontro do seu grupo de estudos de Minha Luta, livro dos mais importantes para Chiquinho e alguns de seus colegas fálicos, brancos, do bem e muito bem nascidos para mandar. Telefonou e todos toparam ir ao escritório de um dos participantes, aonde ocorriam as reuniões do grupo, no Edifício Avenida Central. Ufa! Ao menos ganharia tempo para refletir com sábias ideias, naquela tarde.
Vinha chumbo grosso por aí, e Garrastazu não perdia por esperar.
Panorama Tricolor
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