Havia jantado com meu grande amigo – de verdade – Leo Prazeres, quando encerramos a conta e uma chuva enorme desabava, enquanto na igreja ao lado o pastor berrava como um louco. Não houve jeito: botar os pés na calçada, as camisas ficando molhadas, caminhamos duzentos metros e nos despedimos.
Na porta do prédio onde moro, cercada por uma enorme grade, mais à direita um morador de rua encolhido em sua coberta, fruto desse mundo injusto que alguns insanos consideram normal. Nas mãos, o radinho sintonizado na resenha de futebol da Tupi. Deu para ouvir alto. Um pequeno alívio para infelizes como eu, que não aceitam a miséria e pouco podem fazer além de contribuir com esmolas.
Foram poucos segundos admiráveis. Mesmo que o sofrido senhor estivesse apenas passando tempo naquela estação, ali estava o futebol de alguma forma, assim como está em todos os lugares. E muito além do simples desejo de vencer.
Chego em casa, tomo banho, roupa trocada e a folga do futebol permite ver as atrações musicais de um programa reprisado do Jools Holland: Beach Boys, Natalie Duncan, P.I.L., The XX, Muse. Em certo momento, Jools começa a entrevistar John Lydon, mais conhecido como Johnny Rotten, o paradigma dos Sex Pistols. Um show de sarcasmo, mas também de liberdade e independência. A cara do Fluminense, nocauteador de definições rasteiras.
Nenhuma partida para ver na TV. A quarta-feira morta digna de uma CBF mergulhada até o nariz em tenebrosas transações – sem trocadilhos.
O nosso Fluminense ainda inspira sonhos, vontades e segue seu caminho neste 2016. Não chegou onde queríamos, não estará onde queriam seus inimigos.
Ouço Lydon dizendo que agora faz o que quer: não depende de gravadoras inúteis, escolhe quando e o que gravar. Dane-se o resto. Lembra alguma coisa da Primeira Liga, não fosse o Petraglia. E um grande show. Canastrona, performática, divertida, a apresentação de Lydon remete a um delírio fantástico sobre o time da Máquina, que os mais jovens precisam aprender a reverenciar antes que fiquem condenados a esparrelas desgovernadas.
O programa de TV termina com as fantásticas e delicadas harmonias vocais dos Beach Boys. Um time de craques, perto da despedida com os sinais inevitáveis da idade. A vida não espera. Assim sendo, que tal praticarmos o bem, deixando de lado vaidades ocas e prepotências que costumam desaguar nos cemitérios? Viver o futebol como ele tem que ser: divertido, alegre, honesto e humano. Visto nos pés de menininhos descalços em campos de terra batida. Nas duplas de praia, no Aterro, nos pequenos espaços de qualquer lugar da cidade. Com as crianças num domingo de áreas de lazer. Ódio é para os mesquinhos e complexados, em oposição aos bons sentimentos. O Fluminense exala amor e fé.
Uma noite sem futebol. Ficam de lado as péssimas arbitragens, as trapalhadas da cartolagem, as besteiradas de lado da arquibancada, a proibição de festas no estádio, a politicagem oca, os Michaels da vida e seus desdobramentos, a imprensa infame. O Fluminense está num escudinho de um botão do Gustavo Valladares. Na fala apaixonada de uma jovem torcedora do Facebook. Nas lembranças em vídeos, discos, livros, frases, recordações. Quem disse que o futebol se limita a um jogo?
Penso na mistura do Flu com a música. Penso no Flu inundando os ouvidos do sofrido mendigo. Talvez outro escudinho tricolor na banca de jornais da Cruz Vermelha. Num súbito, recordo tricolores históricos da minha vida, hoje mortos mas, por isso mesmo, vivos demais: meus pais, o João Carlos, o Tato, o Seu Limão. Gente fantástica que entrevistei, como Sergio Britto, Ítalo Rossi, Délcio Carvalho. Telê Santana, que os mais jovens precisam saber de quem se trata. Seu Pinheiro.
À tela televisiva, um documentário sobre a Bossa Nova e a música popular brasileira dos anos 1960. Tom Jobim ocupa todo o espaço. Em seguida, o jornalista João Luiz de Albuquerque começa a falar. Dois tricolores. Para fechar, o principal compositor de Mangueira: Cartola. Três supertricolores. Ivan Lins narrando. Quatro megatricolores.
O Fluminense é grande demais para caber apenas no futebol e nos esportes em geral.
NOTA: voltou essa ladainha mofada do Flu ter que “pagar a série B”? Minha resposta está neste livro, lançado em janeiro de 2014, quando o mundo desabava em cima da cabeça dos tricolores, graças a uma das mais sórdidas armações de parte da imprensa esportiva brasileira – em todos os tempos.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: exulla
Caro Andel,
Se o livro ainda tem cópias disponíveis, sugiro que envies para todos os árbitros do Brasil (o Flu pode pagar a conta), e que em diversas entrevistas coletivas o livro seja colocado na mesa, à frente dos entrevistadores. E uma divulgação do livro pode ser inserida no site do Flu.
Nossos inimigos repetem mentiras, e nós temos que sistematicamente repetir verdades, isto é, que nós não fizemos nada de errado em 1996, 2000 e 2013.
Saudações tricolores,
João Carlos
Até nosso Dr. Mário precisa ler o seu livro. Não soube nos defender. Que pena!!!! Vamos presenteá-lo?
Abraços