Imagine que você é um treinador de futebol iniciante que, de repente, é contratado por um dos maiores clubes do país. É a chance da sua vida.
Na equipe, entre outros atletas, está a principal contratação da temporada. Um grande craque, campeão do mundo, em final de carreira. Ele está fora de forma. Foi posto no banco pelo seu antecessor, por dois jogos, e ficou claramente furioso com a situação.
Então lá vem você. O calouro. Chegando nos holofotes. Sentando pela primeira vez na janela.
Você barraria esse cara? Para colocar quem em campo?
Pode ser que, ao conversar com o próprio, ele te peça pra não atuar em um ou dois jogos, por estar fora de forma. Mas se ele o fizer, vou deixar esse cara treinando pra apurar a forma física para depois voltar com ele no time. Colocá-lo no banco? Para ficar sendo seguido pelas câmeras? Para ficarem dizendo que ele está velho, acabado? Para depreciar o investimento do clube?
Só se eu fosse louco.
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Sigamos adiante.
Você ainda é o técnico e já encarou esse dilema ai de cima. Hora de encarar o outro problema.
O craque do time. Jogador de seleção. Líder da companhia, dentro e fora de campo. Personagem midiático. Ídolo de grande parte da torcida.
Completamente fora de forma.
Esse é outro que eu não barraria de forma alguma. Preciso desse cara em campo.
Ai, na minha partida de estréia, estamos tomando uma surra. A atuação do craque é insossa.
Preciso mexer no time. No banco, está lá o outro figurão que eu barrei.
Então, apesar de iniciante, eu já provei que sou um homem macho, de atitude. O cara sentado no banco, com cara de poucos amigos. Vinte do segundo tempo. O time está morto em campo. Preciso dar uma sacudida. Vou substituir o outro. Preciso de sangue novo. Vou tentar ganhar o jogo.
Eu sei que ele é o ídolo da trupe, mas o meu trabalho é fazer o time jogar bem. Ele está claramente cansado. Vou trocar.
Afinal, eu já provei que sou um louco corajoso. Não? Não provei?
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Agora você é o dono do barraco. Chefão. CEO. Eis que, um dia, fica sabendo pela imprensa que ocorreram situações inaceitáveis sob sua administração.
Perai. Preciso reformular a frase. Vamos lá.
Agora você é o dono do barraco. Chefão. CEO. Eis que, um dia, a imprensa fica sabendo que ocorreram situações inaceitáveis sob sua administração.
Você tem algumas alternativas: com muita hombridade, dar a cara a tapa e assumir para si toda a responsabilidade do ocorrido. Afinal, num navio, se o seu imediato bota o barco a pique, o barco afunda, morre todo mundo e a culpa é do capitão. Mas, como o barco ainda não sossobrou, ainda dá pra assumir a responsabilidade e mudar os rumos da coisa.
Mas para que assumir a culpa? Como dizia meu velho pai, do seu aprendizado na caserna, puna-se o soldado. Se a bomba está explodindo na mão de outrem, para que meter a mão nessa cumbuca? A culpa explodiu na mão de outro.
Vejo de longe a fritura em óleo fervente. Com cuidado, usando um pão-duro e luvas de proteção, faço um carinho no pastel que frita, viro de lado para tostar por igual, e prestigio o sujeito. Afinal, ele é o culpado de ocasião das mazelas. Estou fora!
Com isso, livro a cara da empresa, a cara da administração – pois não tenho nada com isso – e ainda mostro que sou uma boa alma, pois prestigio o culpado de tudo, mostrando bom coração e preocupação com meus subordinados.
Acho que é por ai que eu vou. Essa coisa de assumir responsabilidades dá trabalho e pode ter repercussões negativas.
O que você faria?
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Costumo descer o cacete aqui em tudo o que acho errado. Já critiquei a rodo o vice de futebol Mário Bittencourt, inclusive no meu último texto, da semana passada. Mas quando, por mais erros que cometa, um cara passa de adorado a vilão em menos de uma semana, e é massacrado por uma matéria, minhas orelhas se levantam.
É muito conveniente.
Tomando por verdade o relatado na matéria, os fatos narrados pelo Globo vêm de longa data e são conhecidos por muitos. Então, por que não apareceram em doses homeopáticas, gerando críticas pontuais às atitudes intespestivas do seu protagonista?
De repente, não mais que de repente, o mundo cai na cabeça dele.
Parece final de novela da Globo, quando o mau é massacrado inabalavelmente e os bonzinhos triunfam.
O problema é que estamos na vida real, não numa novela, e estamos longe do capítulo final.
É preciso muito cuidado com massacres midiáticos. Sem entrar no mérito do que seja verdade ou não.
Até porque não creio que existam bonzinhos.
Ou você acha que existem?
Panorama Tricolor
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