Que tal um punhado de lucidez? (por Paulo-Roberto Andel)

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Nasceu este sábado e determinados questionamentos não saem da minha cabeça.

Alguns deles têm povoado minhas colunas há alguns meses.

Por mais que o time do Fluminense merecesse melhor sorte na quarta-feira passada – e merecia mesmo! -, não consigo me alinhar com algumas teses reducionistas divulgadas a cada jogo nas conversas de amigos, blogueiros, internet em geral etc.

Num dia, a culpa foi do Marcos Júnio. Noutro, do Gum. Noutro, do Marlon. Noutros da arbitragem – sem sombra de dúvida, muitos, mas não exclusivamente. E poderia aqui repetir trocentos nomes. Ano passado a culpa era do Conca, por “ser mercenário”. Em 2013, do Sobis, por “não fechar com o grupo”. Do Luxemburgo. Do Wagner. Do Celso Barros. Do Cícero. Do Cavalieri. Do Diguinho. Das gestões passadas. Da dívida. Da puta que pariu. Já houve quem apontasse os problemas do Fluminense como exclusivamente por conta da escalação de Rhayner, quem se lembra? Quando foi mesmo que a culpa era do Leandro Euzébio?

A cada semana temos um novo fato, um novo culpado e algumas reflexões são absolutamente indispensáveis. O vilão da semana passada é a grande solução da próxima. E de remendos em remendos, deixamos o geral de lado e priorizamos o particular. Alguém foi o culpado. E o resto pode ser empurrado com a barriga. Ou seja, uma casa na mais completa desordem.

Daqui a pouco aquela incrível história do Time de Guerreiros vai completar seis anos. Em futebol é tempo demais. De lá para cá, pensemos: quando o Fluminense foi absolutamente top?

Em 2010 e 2012.

Nos dois casos, para superar todas as sandices da relação clube-investidor, tivemos dois treinadores de pulso forte, seriedade e cobrança. Muricy e Abel. Goste-se ou não deles. Outros nomes na direção também, aqui poupados para impedir que esta coluna se torne um debate político.

Separe o segundo semestre de 2010 e o ano de 2012, o que sobra?

Bagunça, frustração, desencontro, vociferação, consolação. Prepotência. Miopia. Autossuficiência. O desastre de 2013, só impedido pela clara vergonha extracampo de terceiros.

É possível desconfiar que, mais do que bons profissionais, os dois treinadores mencionados eram bombeiros dos bons, apagando incêndios provocados por vaidades, irresponsabilidades e opulências midiáticas que sempre atrapalharam nas internas.

Vamos mais atrás. A irregularidade vem de mais tempo.

Pense em 2008, um primeiro semestre fantástico, com final triste, e um segundo de dor e alívio. Ano de 2007, excepcionamente, a conquista da Copa do Brasil no peito e na raça e a campanha digna no Brasileiro. Ano de 2006, Estadual pífio e luta contra o rebaixamento.

Em 2005, com começo empolgante, o título regional, a frustração na Copa do Brasil e a decepção no Brasileiro – nem Abel era páreo para Horcades… Em 2004, o supertime imposto pelo investidor onde ninguém se falava. Em 2003, decepção no Carioca e luta contra o rebaixamento.

Poderia ir mais longe, mas paro por aqui. Doze anos já constituem uma amostra representativa da situação.

O Fluminense tem lutado contra si mesmo por mais de uma década. A disputa para ver quem manda, quem tem o poder, quem é o maior tricolor. E quem paga a conta é o time. O clube. O torcedor. Na briga de meia dúzia, todos saímos derrotados. No orgulho besta de quem pensa ser o dono da casa, somos todos derrotados.

Uma breve análise dos tempos recentes, como simples ilustração, mostra que, no clube, assumir os erros é a coisa mais difícil do mundo.

Quem se lembra de Ricardo Drubscky, só para falar de cinco meses atrás?

Contratado para o lugar do desgovernado Cristóvão – que, curiosamente, comandou nossas últimas exibições de gala no Maracanã, aplaudido até em derrota -, foi cantado e decantado como um revolucionário tático do futebol, plenamente chancelado por diretoria e principais jogadores, embora não tivesse o menor currículo para dirigir o Fluminense. Scout, amigo. Não vingou dois meses. Depois daqueles 4 a 1 impostos pelo Atlético Mineiro no primeiro turno do Brasileirão, em ritmo de treino, o sentimento da torcida era de pavor. Ninguém assumiu até agora o erro crasso da contratação de Drubsky. Eu acerto, nós tentamos, vocês erram.

Enderson Moreira, já comentado aqui nesta tribuna, não me causa empolgação. Está na segunda média do mercado. Veio de trabalhos fracassados no Grêmio, Santos e Atlético Paranaense. Curioso pensar que sua contratação pode ter atendido aos critérios da austeridade econômica seletiva do clube, dentre outros menos votados – afinal, logo depois, a volta de Cícero, mais as contratações de Oswaldo e R10, significava um aumento claro de despesas.

Eu mesmo fui um dos mais entusiasmados defensores da vinda de R10. Deixei de lado o evidente cenário político deste fato e o retrospecto de boemia incessante do jogador; concentrei-me em pensar que, num time equilibrado, um craque poderia ajudar muito, mesmo que já estivesse na curva final da carreira. Sempre sou favorável ao craque. Fui criado sob o pensamento de Francisco Horta. E R10 poderia render muito mais do que qualquer jogador de scout. O que acontece fora do campo é difícil de definir. Há algo errado. Muito errado. Mas, ao levar em conta o histórico descrito nos parágrafos anteriores, não me deixo tomar por qualquer surpresa – e esta me acontece numa única situação.

Fofocas de jornal dão conta de que R10 é o grande culpado da vez. O vilão. O pilantra desagregador. Será? Pode ser. Ou será que estamos vendo a repetição de um velho filme nas Laranjeiras, onde se tropeça nos próprios cadarços? Em caso positivo, infelizmente é uma decepção para boa parte da torcida, principalmente pelo que se lia e era dito pelo próprio clube há exatos dois meses – Clique aqui.

Mas afinal, o que tem acontecido com o Fluminense nos últimos anos? SEMPRE acontecem “problemas internos” que desviam o foco da equipe. Agora, pode ser R10. E antes?

Acho que todo treinador deve ter tempo para trabalhar. Não posso soar contraditório quanto ao nome de Ricardo Drubscky por motivos racionais óbvios. No entanto, finalmente declaro minha única surpresa sobre o Fluminense, residente no fato de Enderson Moreira ainda ser o treinador da equipe tricolor. Não por sua competência, mas depois do que foi visto em rede nacional na última quarta-feira à noite, é simplesmente inacreditável que ainda ocupe tal posto. Não que “precisasse” ser demitido, mas os princípios mínimos de dignidade profissional – ou pelo menos de amor próprio – deveriam levá-lo, isto sim, a pedir demissão. Fez o papel de um boneco do posto à beira do campo, como se ali estivesse numa pelada de várzea, enquanto outro treinador – Fred, de forma inusitada – dava as instruções, tudo em nome da liderança. Castilho, Telê, Pinheiro e Marcos Carneiro de Mendonça tremeram no túmulo. Preguinho urrou. E se, em nome desta mesma liderança, Fred resolvese atropelar a hierarquia dos dirigentes tricolores? Entendo que alguns não achem isso necessariamente uma má ideia…

Mesmo assim, com todos os seus problemas, talvez o Fluminense tenha forças para um sprint final neste Brasileiro, conseguindo até uma vaga para a Libertadores 2016. Talvez siga longe na Copa do Brasil. Tem elenco e recursos disponíveis. Para isso, todos torcemos dia após dia, jogo após jogo.

Contudo, o principal problema é outro, muito outro e não cessará enquanto não for devidamente tratado: nossas estruturas internas estão há muito tempo corroídas. É isso que tem nos impedido em voos de grande porte, levando a uma beliscada ali, outra aqui, para sucessivas aterrisagens forçadas domésticas. Falta de autonomia nos ares. O sentido de grupo, de valorização do coletivo, capaz de transformar o Flu em uma verdadeira representação de sua imensa torcida, acaba não sendo prioridade.

Esta não é uma derrota exclusiva da atual gestão do clube – ainda que a mesma tenha notória dificuldade em assumir e corrigir seus diversos erros – e nem das passadas – que também erraram: trata-se de um insucesso coletivo. Até porque nessa história, a diferença entre situação e oposição às vezes se resume exclusivamente em cargos, benesses e poder, salvo, claro, os governistas e oposicionistas autênticos. No fim, somos todos derrotados. Todos.

Comemorar uma grande reação num empate diante do Coritiba, valorosa equipe, mas que se encontra no Z4? Ano passado, engolimos a seco derrotas para os poderosos Horizonte, América de Natal e Chapecoense. Muita gente saiu e o problema continua. R10 não estava. É preciso dizer alguma coisa ainda sobre a partida contra o Santos em 2013?

Resta torcer pela rara lucidez e pela humildade em tentar mudar para melhor, ainda que esta última qualidade inspire cuidados regulares em Álvaro Chaves.

Um punhado de lucidez, por favor.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: exulla

o fluminense que eu vivi tour outubro 2015

7 Comments

  1. Paulo meus parabéns pela sua avaliação do momento e pode ter certeza que sua visão bate exatamente com a minha.

    Saudações Tricolores!

  2. Os culpados são os ratos que Muricy falou. Temos que descobrir quem são e onde se escondem.

  3. Perfeito,
    e ainda nos querem fazer engolir que a culpa é da torcida do FFC que não é mobilizada nem engajada….

  4. Perfeito! Gostaria de ressaltar o segundo semestre de 2011. Nosso time jogava o fino e só não foi campeão pq os mesmos motivos que você brilhantemente expõe no texto fizeram um primeiro semestre ridículo, na qual ficamos sem técnico no meio da libertadores e depois com esse posto Ipiranga ai durante 3 meses esperando o Abel chegar.

    Mas entendo que aquele time do segundo semestre de 2011 jogava um futebol mais bonito que os de 2010 e 2012(brasileiro). Faço essa ressalva porque o time de 2012

    1. O time de 2012 que jogou até maio foi mágico. Estive na Bombonera e o que foi aquela atuação? Deco, Nem, Fred, Thiago Neves, jogando o fino! Até o Diguinho! Mas as lesões impediram nosso triunfo. Aquela Libertadores era nossa. Desculpa fugir do tema, mas como citou os times anteriores e suas mazelas, gostaria de ressaltar esses momentos sublimes que vivemos. Sou meio sofrido pelo período 1989-2000 e esses momentos tem sabor especial para mim.

      ST

  5. “Luz, quero luz, sei que além das cortinas são palcos azuis e infinitas cortinas com palcos atrás. Arranca, vida estufa, veia e pulsa, pulsa, pulsa, pulsa, pulsa mais. Mais, quero mais”.

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