No futebol de hoje, há um rol de aspectos a se considerar para que um time tenha sucesso. Sistema tático, vigor físico, comprometimento, inteligência. Dificilmente um onze com tais predicados sucumbe numa partida, salvo pela força do destino que se move nos gramados de todo o planeta.
Ou por algo que ainda se faz mágico dentro do esporte bretão que fascina homens, mulheres e crianças nos quatro cantos dessa estranha Terra.
A genialidade do craque.
Percebam a atuação de Ronaldinho nesta partida contra o Grêmio.
Não foi intensa, suprema, equivalente a seus momentos como o melhor do mundo da Fifa – e nem precisava ser.
Ronaldinho tem 35 anos, não brilhou na efêmera passagem pelo futebol mexicano e não saiu do Atlético Mineiro no auge. Tais elementos reforçam a desconfiança de setores da imprensa esportiva a respeito do sucesso do jogador nas Laranjeiras – e, claro, muitos integrantes destes setores torcem descaradamente para que dê errado, envolvidos em outros interesses que são – tanto que minimizaram a estreia do 10. Também existem o ônus financeiro, a mudança do propalado planejamento tricolor, os ecos políticos e outros fatores, claro, que não podem ser negligenciados.
Para que Ronaldinho funcione com toda força, o Fluminense terá que reinventar seu esquema dentro de campo. Marcação, distribuição etecétera. Fora das quatro linhas, também.
Mas não se pode deixar de perceber os sinais inequívocos da presença do craque.
Quando cobrou direto uma falta que tinha a cara de centrada, assustando o goleiro gremista. Ou no escanteio que bateu com maestria na cabeça de Henrique no primeiro tempo, uma elipse de tirar toda a defesa gaúcha do lance em um segundo.
Apesar da garra do Flu, a partida não teve nada de fácil, pelo contrário: o Grêmio foi um leão ferido e lutou até o último momento, mesmo com um jogador a menos em campo.
O que decidiu essa importante vitória no sábado foi o craque. Num jogo que já tinha certa cara de empate, quando Ronaldinho executou o passe preciso para Wellington Paulista a defesa gremista foi fraturada. O pequeno lampejo já tinha a cara do gol. O atacante, também estreante, escorou de cabeça para Junio e o resto já se sabe. Os gênios da TV disseram que foi um passe simples: no universo deles, o campeão de tudo pelo Barcelona e mundial com o Brasil foi Guerrero…
Ronaldinho começou fora de posição. Estava na frente para ajudar a suprir a ausência de Fred. Não deu certo. Depois foi para a esquerda, mas as coisas não aconteceram. Até que teve uma única bola no meio. Ali aconteceu a decisão do jogo. O Fluminense venceu. Para fechar, mostrou serviço até em jogadas que não são de seu repertório habitual: os dois carrinhos que resultaram em cartão amarelo, mas que também levantaram a nossa torcida.
Do jogador comum, valente, lutador, espera-se o óbvio. Do craque, não: é dele que devem partir as soluções improvisadas, surpreendentes e fulminantes. O craque tem a função de derrubar roteiros estabelecidos previamente, tudo com um mísero passe, drible, chute ou toque qualquer – às vezes, nem isso, como um simples jogo de corpo.
Ainda é muito cedo para qualquer oba-oba que, por sinal, não se alinha com as tradições do Fluminense. Nada de ufanismos ocos e indevidos cultos à personalidade. Este ano parece ser de dura disputa pelo título brasileiro e pela vaga na Libertadores. O turno está acabando e existe uma briga boa no alto da tabela, com vários times e o destaque para o Atlético Mineiro.
Se a trajetória de Ronaldinho será marcada por conquistas, é difícil dizer. Já tivemos monstros como Romário e Edmundo, que não conseguiram títulos com a nossa camisa. Futebol não tem lógica linear – e se tivesse, não seria o que é.
No entanto, é possível esperar do nosso novo craque jogadas espetaculares, lances inesperados ao olhar comum, desafios à física. Imaginem os garotinhos calouros deixando o Maracanã no sábado passado e carregando as lembranças para sempre? Isso também é investimento e dos bons.
Você pode ouvir boa música pop num domingo relaxante de manhã, com teclados dos anos 80. É leve e divertido. Mas se resolver trocar de faixa e colocar qualquer coisa de Keith Jarrett ou Martha Argerich, imediatamente seus ouvidos vão acusar o bom golpe.
Há muitos guitarristas fantásticos, mas quando se ouve um Jimmy Page ou um David Gilmour, um Eric Clapton, o patamar é outro.
No futebol também é assim.
Precisamos de guerreiros em campo, até mesmo os bastardos inglórios do futebol. Queremos sangue, suor e lágrimas. Mas me perdoem: o craque é fundamental. Craque de verdade, não o fabricado às custas de manchetes combinadas.
Campeão ou não pelo Flu, Ronaldinho é o que há. O jazz de Deco revive em campo.
Nem que seja num lance fortuito, um passe, um drible, voltamos aos tempos de Deley, Assis, Edinho, Rivellino, Caju. O Fluminense ruge.
Eu quero o próximo jogo, o próximo lance, o drible desconcertante, o chute preciso, a poesia da bola. Só. Ou muito mais.
Perto da área, Fred sorri e agradece. Tem tudo para marcar mais e mais. O ano, que parecia tão humilde e amuado, agora toma outras cores e outras palavras. Vejam o que era o time em fevereiro e o que é agora, nome por nome
O craque coloca os scouts e a austeridade fiscal no banco de reservas.
Panorama Tricolor
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Imagem: exulla
Bom demais!!!
ST!