O afamado historiador marxista Perry Anderson concluiu com pesar, ao final da década de 1990, que o neoliberalismo era a ideologia mais bem sucedida da história. Sua conclusão baseou-se na constatação – algo trivial àquela época – de que o neoliberalismo reinava sozinho no terreno ideológico após o fracasso aparentemente definitivo das ideologias concorrentes ao longo do século XX: o nazi-fascismo, a socialdemocracia e, finalmente, o comunismo pareciam ter ficado definitivamente para trás. De lá para cá, a aura de conquistador imperial do neoliberalismo foi chamuscada sobretudo porque a remodelagem neoliberal do mundo legou uma condição histórica em muitos aspectos ainda mais degradada do que a situação que os arautos do neoliberalismo pretenderam reformar.
Ainda não sucumbiu o neoliberalismo, no entanto, embora se avolumem as críticas no plano das ideias e da prática social. O rastro neoliberal faz-se sentir, por exemplo, na defesa ostensiva da política de austeridade num mundo carente de investimentos, principalmente os ditos investimentos “sociais”. Aliás, é um momento da própria difusão da ideologia neoliberal que o zelo com as contas, a austeridade em si e por si, seja tomado como (principal) objetivo de política, como se, de um lado, nenhuma concepção rival tenha demonstrado preocupação com o uso responsável dos recursos ou, por outro, o mero saldo positivo fosse capaz de induzir o desenvolvimento.
No plano geral, a histeria da austeridade normalmente não passa de um expediente de comunicação para maquiar a transferência de dinheiro desde o orçamento fiscal – previdência, investimentos em infraestrutura, saúde, educação, ou seja, gasto em contas que interessam ao grosso da população – para as finanças – gasto que interessa a uma minoria influente. No plano particular (das instituições, das famílias etc.), é preciso saber as condições em que a política de austeridade é defendida e com que grau de dominância sobre medidas de outra ordem.
Não parece, mas a coluna é sobre o Fluminense. Não me restam dúvidas de que o Fluminense sofre, atualmente, um choque neoliberal. Entendam bem: a questão não é o ajuste de contas, que, no caso da instituição Fluminense, tornou-se indispensável (como bem nos demonstra a trágica situação que acomete o Botafogo). A questão é que a política de austeridade tricolor tornou-se virtualmente a única medida de reorganização do clube facilmente reconhecível. Nada mais é posto em prática com tanto rigor, consciência e planejamento. Não somos mais o Fluminense Football Club, mas o Fluminense Budget Club.
As consequências da histeria com a austeridade já são sentidas há tempos, antes mesmo da saída da antiga patrocinadora. O clube – o Fluminense, não seus patrocinadores – não ousa mais há bastante tempo e, por isso, não almeja mais nada desde 2012. Nada. Não disputamos nada, não sonhamos com nada, não pensamos em nada além da preservação e… do ajuste fiscal. Como em qualquer expressão do neoliberalismo, o ajuste figura, primeiro, como ponte para um futuro maravilhoso prometido, mas logo se converte na única medida de política concretamente existente, mesmo quando o presente desaba sobre nossas cabeças.
O pior é que, como sempre ocorre nos ajustes neoliberais, há sempre o que justifique o aprofundamento da política. Por exemplo: se é verdade que gastamos quase uma milha com o Martinuccio, tome ajuste. Se pagamos 100 mil para o Marlone, tome ajuste. Se contratamos três ou quatro zagueiros que não jogam nada, tome ajuste. Se renovamos com Wagner e Jean depois do que (não) fizeram nos últimos anos, tome ajuste. Se gastamos uma fortuna com um jogador obeso, tome ajuste. Um erro justifica o outro.
Mas façamos uma conta simples: um Maracanã cheio (falo de 50 mil pagantes e não de 75 mil) vale aproximadamente um milhão e jogamos lá várias vezes por mês. Um programa de sócios cheio vale uma bolada. Títulos rendem jogos espetaculares, receita extra de TV e bilheterias, premiações, excursões na temporada seguinte, atrai novos patrocinadores. Uma mísera grande contratação rende, imediatamente, um tempo imenso, “gratuito”, na TV – perguntem a qualquer profissional de propaganda sério quanto custam 30 segundos em horário nobre. Pergunto eu: vamos conseguir isso sem investir? Teremos de esperar mais quanto tempo para afrouxar o cinto? Não se paga um investimento bem feito?
Eu asseguro: contratem 3 ou 4 jogadores de nível de seleção e tragam um bom técnico para disputar o campeonato brasileiro que o Fluminense não joga para menos de 40 mil pessoas no Maracanã, sem promoção, e fecha o ano com mais de 60 mil sócios-torcedores (se o departamento de marketing não boicotar, claro). Façam isso e chegaremos na Libertadores. Dependendo do técnico, podemos até ganhar o título. Só na base da austeridade, não vamos chegar a lugar algum, exceto ao buraco em que entraram todos aqueles que acreditaram piamente na cantilena neoliberal. Como disseram dirigentes mais ousados nossos e de outros clubes: contratem que a torcida paga. Ou alguém ainda desconfia da força de nossa torcida?
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: pra/guis saint-roman
Excelente texto João Leonardo. Concordo com o exposto acima. O Peter Siemem prioriza a gestão financeira, mas esquece da principal fonte se receita para o clube: o futebol. Desde a saída do Alcides Antunes – ex-vice presidente de futebol, em 2011, houve um desmanche do time. Não apenas por falta de dinheiro, por que a patrocinadora permaneceu por mais 3 anos em parceria com o Clube. Mas principalmente por incapacidade técnica mesmo. Aparentemente, o atual presidente não entende nada de futebol.
Vejam que com essas 4 contratações o time seria consideravel
Cavallieri
Jean
Gum
Marlon
Fabio
Pierre
Edson
Wagner
Thiago Neves
Maicon Bolt
Fred
Klever
W Silva
A Carlos
Henrique
??? Giovani por enquanto
Rafinha
Higor
Gerson
Vinicius (ou Robert)
Kennedy
Magnata
ST
Na minha opinião, os “3 caras” que precisamos mais o tecnico:
1) Thiago Neves ou Cleiton Xavier
2) Maicon Bolt ou W. Nem
3) um lateral esquerdo (não consigo pensar em nenhum bom….), talvez o Fábio (gêmeos)
4) Cuca – esse é o cara
ST
Sonhei ver meu time campeão esse ano. ST4
Ótima teoria, é exatamente isso que estamos precisando. Mas não vai chegar ninguém pra resolver. Sabemos disso. O ano vai ser longo. Paciência.
Cuca de Banana contra o neoliberalismo no FFC!
ST
Boa medida. Apoio. E olha que eu nem gosto tanto assim do Cuca. Mas se encaixa no tipo de medida que penso: corajosa, com poder de mídia e com chance de sucesso em campo. Uma coisa é certa: com um treinador do porte do Cuca, um elenco como o nosso não vai pensar em rebaixamento.
Abraço,
João
vão ser vendidas de qualquer maneira, menos o Marlon, que este é especial demais, e deve ser
preservado a qualquer preço. Já escrevi a todos os sites tricolores, inclusive a Ouvidoria do site
oficial, e todo mundo vem com esta conversa mole que é preciso cuidar do planejamento.
Saudades do Francisco Horta.!!
Seu texto foi dez! PARABENS!
Prezado Carlos,
sobre o Leo Pelé, a questão é simples. Considerando que o titular é o Giovane, qualquer tentativa vale. Agora, eu tentaria algo mais ousado do que trazer o Cajá. Cajá seria bom para o elenco, mas não é o cara.
Como disse na coluna, traria dois ou três nomes de impacto, para lotar Maracanã. A questão é de fazer conta: o investimento deve ser comparado com a perspectiva de receita futura e não com o orçamento atual. Contratação de impacto = custo, mas também receita…
João Leonardo:
Voce foi perfeito na sua análise.Gostaria que voce desse a opinião, para a urgênvcia desse momento,
efetivar o garoto Léo Pelé, porque ser pior deste que nós temos, impossível.
Tentar viabilizar a contratação do Renato Cajá da Ponte Preta, porque supre nossas principais defi-
ciências, que é um meia criativo, bom arremate de fora da area e exímio cobradpr de faltas, que o
Fluminense não marca há muito tempo.Nem que tenhamos de vender algumas de nossas jóias logo,
porque…
Acho que não se pode após toda derrota dizer que está tudo errado e acho que não há dinheiro para essas contratações. Temos que contratar com urgência um lateral esquerdo. Parabéns, muito bom o paralelo.
Prezado José,
a questão é diferenciar custo de investimento. Custo = compra de Walter, contratação de João Felipe etc. Investimento = contratação de jogadores com cartaz e bola, capazes de trazer os holofotes para nosso lado. O paralelo com o neoliberalismo saiu daí: todos os investimentos são encarados como perversos, sobrando gastos que interessam, de algum modo, às instâncias de poder, sejam elas quais forem. Creio que todos lembram do impacto da contratação do Fred. Que se repita…
Andel: uma das melhores colunas já publicadas nesta casa. Leitura obrigatória independentemente do viés político de cada um. Profunda. Brax.
Paulo, meu caro,
vindo de quem vem, um comentário como esse é recebido como um título. Muito obrigado. É pena que nossa opinião não surte efeito sobre o gerenciamento do clube (nesta gestão ou em qualquer outra que tenhamos visto, bem ou mal sucedidas).
Abraço,
João