Até o último homem (por João Leonardo Medeiros)

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O futebol é um esporte apaixonante por ter a capacidade de servir como uma metáfora da vida. Isso se deve certamente ao fato de o esporte bretão conjugar duas qualidades peculiares: primeiro, trata-se de um esporte coletivo; segundo, admite uma variedade de portes físicos. O basquete, por exemplo, é esporte coletivo, mas limitado aos gigantes. No atletismo e natação, predominam as provas individuais e há uma série de exigências físicas dependendo do estilo/modalidade. Só no futebol a malemolência nanica de Romário pode ser conjugada com a capacidade física de Aldair, numa combinação que torna patente possibilidades de nosso gênero, os humanos.

O Fluminense é uma metáfora da vida. Isso se deve certamente ao fato de o Tricolor conjugar, como poucas agremiações esportivas, duas qualidades peculiares: primeiro, tem uma vocação para a eternidade que transforma, num passe de mágica, mero transcurso do tempo em percurso histórico; segundo, tem uma tendência aos altos e baixos, nascimentos, renascimentos, mortes e hibernações. Não tem o eterno regozijo do Flamengo, sempre satisfeito consigo mesmo, como que preso numa masturbação esportiva incansável. Mas também não experimenta o tortuoso dissabor da eterna depressão que acomete os botafoguenses, uma depressão que transforma glórias potenciais ou reais em minúsculos episódios do passado, sempre do passado.

No último sábado, o caráter metafórico do Fluminense e do futebol apresentaram-se com força. Concentremo-nos no Flu. Merecíamos nos classificar para a final do campeonato, sinceramente? Não, claro que não. Numa época em que não há espaço para boas intenções, para sinceridade de propósitos, não dava para esperar que o campeonato parasse até que nossos meninos ganhassem experiência, nosso técnico acertasse o time, nosso clube se ajustasse e contratasse direito. Fomos o pior dos quatro grandes e fizemos dois jogos muito ruins na parada decisiva. Mas o Botafogo, que jogou melhor o campeonato, também não poderia ter se safado sem tomar uma lição da vida. Pois tomou não uma, mas várias delas na mesma jornada.

Primeiro, ficou claro que não tem time para nada além do vice-campeonato carioca, o que deve se confirmar nas duas partidas finais. Tivesse um time mais qualificado e teria se aproveitado da situação produzida nas últimas semanas. Nosso time, nosso garotos, em particular, iniciaram o jogo apavorados. O clube não teve condições de dar-lhes suporte. Jogamos no Engenhão, sem Fred, da forma como queriam os adversários. Jogamos fora de casa em vários sentidos e acusamos o golpe com um primeiro tempo de lascar. Se houvesse outro time em campo, um time de futebol mesmo e não um arremedo de equipe, teríamos levado uns 5 ou 6 nos primeiros minutos, como aconteceu com o Brasil na Copa do Mundo.

Mas não tinha um time. Tinha o Botafogo da depressão, animadinho como quem ingere cafeína antes do jogo (será?, de novo?). Euforia artificial sempre dá lugar ao buraco da depressão e isso foi visto no segundo tempo, quando o Botafogo ficou em frangalhos, pendurado na barra da baliza para impedir nossa vitória. Não conseguimos, como sabem. Mas não merecíamos mesmo, vamos lembrar e reafirmar. Também não poderíamos ter saído da parada sem dar um susto no ridículo adversário.

Fomos para os pênaltis. Eles em casa. Nós com os garotos. Eles com a Federação. Nós conosco. Eles quase ganhando. Nós batendo mais um. Até o fim. Até o último homem. Cavalieri fez justiça. Não podíamos ganhar, mas também não devíamos perder por vias convencionais. Teria de ser o goleiro e a bola nas nuvens. Eles comemoraram, até choraram, seu presidente lembrou-se que poderia tirar uma ondinha. Vão disputar a final, devem perder. Depois vão para a série B, a segunda em menos de uma década e meia. Terão pelo menos seis meses para lembrar a diferença entre a situação deles e a nossa.

E a gente? Vamos refazer tudo, de novo. No Fluminense é sempre assim. A vida dá uma lição, mostra que não dá para ganhar só com a justiça abstrata de quem defende a posição correta. A vida é luta e estamos lutando pouco ou errado. Com as armas erradas, talvez. Falta grana, certo? Gastemos melhor. Falta tempo, usemos todos os segundos. Falta amor? Isso não. Mas falta cultivá-lo, para quando tivermos de contar com ele, que ele se faça presente. Se quer acertar a vida, escute quem gosta de ti. No caso do Flu, escute a torcida. Conte com ela. Busque a torcida. Até a última mulher, até o último homem, até o fim.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: google

#SejasóciodoFlu

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1 Comments

  1. João, o melhor texto que li sobre Fluminense nos últimos tempos… Parabéns!

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