O dia em que a Ferj parou (por Walace Cestari)

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O dia amanheceu com o mesmo ar pesado de outros dias. Mas não durou muito desta vez. O estranhamento parecia geral. Seria um asteroide vindo em nossa direção que aniquilaria de vez o planeta? Talvez fosse. Talvez não. Era, de fato, um enorme objeto esférico que se aproximava em velocidade alarmante.

Videntes e arautos do caos jogavam-se às teorias apocalípticas e, com voracidade, caprichavam suas retóricas buscando levar os incautos ao mesmo desespero. Os olhos voltavam-se aos céus, pois dele viria a catástrofe ou sabe-se lá o quê.

E veio o sabe-se lá o quê. Uma enorme bola de futebol aterrou no centro do gramado do estádio que outrora fora o Maracanã. Os responsáveis pelo consórcio discutiam os prejuízos que decorreriam daquele pouso. Alguns já engendravam planos de cobrar ingressos para ver aquela atração. Será que conseguimos transmissão? Business. Business. Business.

Não muito distante dali, em uma sala confortavelmente instalada, sob a névoa pesada de charutos suspeitos, alguns outros discutiam que contrariava todas as regras uma bola de futebol posicionada no centro do gramado de um estádio onde não havia sido autorizada. Por que não no Engenhão? Contudo, alertavam, se houver cobrança de ingressos, será importante recolher o quinhão que fazia jus aos organizadores – ainda que nada tivessem a ver com aquilo tudo.

Depois de algum tempo de marasmo e suposições, um ser não identificado parecia deixar a imensa esfera para espanto de todos. O presidente de um clube suburbano menor não hesitou em arremessar-lhe a primeira pedra, castigando o visitante.

Ferido, mas sem atendimento médico algum, Kraaqui – era esse seu nome – escapou da mais baixa e vil cartolagem pelas arquibancadas – onde essa gente não entra – e deu seu jeito de chegar a um bar. Notou que ninguém falava sobre futebol. Parecia que o esporte bretão havia morrido.

Assustado, o herói ficou sem entender o que acontecia. Com seus poderes mágicos, entretanto, conseguiu as atas das reuniões da federação, leu o regulamento do campeonato e viu as decisões tomadas pelos homens do tribunal. Era verdade. Tudo aquilo era verdade. Descobrira naquele momento que o poder era capaz de acabar com o futebol. E o esporte estava morrendo em plena Cidade Maravilhosa.

As crianças não jogavam bola. Não havia alunos nas escolas. E nas igrejas nem um sino a badalar, não havia fiéis. Nos estádios, nem uma bandeira a se agitar, não havia torcedores. Parece que a religião do futebol conhecia seus primeiros ateus, contrariando o que sábios de veias abertas diziam nunca ter havido. Deviam-se encontrar culpados por tamanha devastação.

Antes que pudessem usar de tribunas e de espaços comprados na imprensa, Kraaqui deu ordens para que o robô-bola-de-futebol pudesse realizar seu trabalho. De repente, não havia mais federação. Sumiam rubens e euricos, caíam desmandos e a grama nascia mais verde em todos os estádios do lugar.

Os sorrisos voltavam lentamente aos rostos mais improváveis, mordaças eram arrancadas e os gritos de protesto uniam-se aos gritos de torcedores que, lotando os estádios, empurravam seus clubes.

A imensa esfera pairou no ar como Dadá e com a mesma sutilizada de um beija-flor deixou dois times perfilados. Uma bola mantinha-se no centro do gramado e o barulho ensurdecedor que vinha das arquibancadas misturava-se a cores e movimentos. As redes voltariam a balançar de alegria e gol.

Tudo ganhou vida e voz no dia em que a Ferj parou.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: www.papeldeparede.etc.br

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