Minutos DEPOIS de sair da casa do meu amigo Garcez, onde trabalhávamos em novos livros, atravesso uma praça – Afonso Pena – e me deparo com a imagem que ilustra esta coluna.
Um orelhão no chão, com sua base de ferro quebrada, num dos endereços mais charmosos do Rio de Janeiro. Romper a base de ferro exigiu uma dose cavalar de estupidez do criminoso.
Infelizmente, a cena natural de uma cidade que, a cada dia que passa, troca seus abraços por tacapes em forma de balas perdidas. Uma cena corriqueira numa tarde ensolarada de terça-feira, enquanto um infeliz não passa dizendo “Tem mais é que derrubar essa merda, ninguém usa”, esquecendo-se que alguns milhões de brasileiros ainda não podem se aporrinhar com o péssimo serviço das operadoras de telefonia celular – por questões econômicas – o orelhão é de utilidade pública.
Por mera coincidência, o telefone estuprado fica a alguns metros da sede do querido America, prestes a ir abaixo mais uma vez por conta da grana. Fará uma grande sede e voltará com tudo, é o que prometem. Mais uma vez. America, unido vencerás! Unido?
Em frente ao cadáver telefônico de ferro, uma cabine da PM. Nenhuma piada.
DESCENDO NA ESTAÇÃO DO METRÔ de Afonso Pena, você pode pegar o coletivo em direção à Cinelândia e mergulhar nos livros e discos da Cultura, na Senador Dantas, onde ficava o grande Cine Vitória, primeiro com seus filmes infantis e, posteriormente, clássicos de sacanagem com estranhas duplas comprando os ingressos e se jogando na roleta como se fosse a entrada de um motel a pé. Na viagem, espiar as pichações grosseiras na porta do veículo, outrora limpíssimo.
Depois de mil livros – poucos realmente interessantes sobre futebol – títulos, vitórias, exacerbação e nada de errado – onde estão as varizes e cicatrizes? – e alguns cds, na rampa circular estão à venda belas maquetes dos estádios cariocas. O Maracanã não há.
Leio as notícias no celular enquanto escuto Tom Waits, grande compositor estadunidense, rosnando como nunca. A Federação, vassala dos desejos de Eurico Miranda, tirou Fluminense x Vasco do seu habitat natural para colocá-lo no Engenhão, com 1/3 do público que poderia vê-lo no bilionário “legado da Copa”, devido às restrições do campo alvinegro. Dane-se se são os clássicos que alimentam o fetiche do campeonato. Dane-se que o torcedor seja afastado da festa. Dane-se que, por coincidência, quem mais lucre com essa decisão estúpida é a TV.
O argumento de que o Vasco está sendo desrespeitado pela troca de lado no Maracanã não convence os que se lembram de vinte anos atrás, quando Eurico defendia menos gente nas arquibancadas e ingressos mais caros, sob o argumento de que “o espetáculo se pagava com menos investimento em estrutura”. Hoje, mudou: queria ingressos mais baratos. Enrico Bianco, grande artista brasileiro, dizia que a única coisa admirável no homem é a sua contradição. E a memória?
A Federação faz pouco caso de um dos principais estádios do mundo, mesmo que esse tenha perdido por completo o charme e a personalidade conhecidas antes – é ele que ainda comporta o tamanho das grandes torcidas cariocas.
Quando um jogo de futebol abriga 15 mil torcedores em vez do que poderia – e deveria – receber – quatro vezes mais gente -, conclui-se que vários critérios talvez justifiquem a troca do Maracanã pelo Engenhão atual, exceto o do profissionalismo. Estão matando o futebol, fazendo com que os clássicos virem jogos comuns, sem festa nem brilho, algo corriqueiro, um mero programa de TV que se repete até se tornar desinteressante. É no Carioca que os clássicos revivem a história, não em formalidades do Brasileiro (nos últimos 31 anos do certame nacional, Flu e Vasco decidiram um, Botafogo e Flamengo outro).
O pouco caso para com o futebol faz sentido numa cidade com seus orelhões destruídos e tombados, o metrô dilacerado, jogos no caminho da Região dos Lagos às vésperas do Carnaval, clientelismo e vaidades ocas de seus dirigentes, muito mais preocupados com suas questões pessoais do que as enormes torcidas que representam. O tempo das cavernas, pois. E sem o talento de Tom Waits rosnando.
Edinho de um lado, Roberto Dinamite do outro. Orlando Lelé e Tadeu. Guina e Delei. Cláudio Adão dos dois lados, Mário também, Wilsinho também, Paulo Cezar Caju. Os tempos do Maracanã com cem mil pessoas e a saudável batalha do pó de arroz contra a cruz de Malta ficam restritos à memória, enquanto meia dúzia vai se arriscar nas vielas do Engenho de Dentro semana que vem.
Depois não entendem porque o campeonato é um fracasso de público, nem porque os pequenos torcedores desfilam com suas camisas do Barcelona, Manchester e Bayern, sugerindo que as arquibancadas cariocas do futuro serão decorativas. Ou cenário vulgar para a novela insossa das quartas e domingos, maquiada com comentários engraçadinhos.
Panorama Tricolor
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Imagem: pra
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