Ele chegou em casa cabisbaixo. Não havia sinal de raiva em seu semblante. Apenas a decepção, a dor, o cansaço. A perda nos leva a energia, o entusiasmo, a força, mas não mata.
Acendeu a luz do apartamento e o cachorro veio mansamente roçar o focinho em sua perna. Não latiu, não abanou o rabo, apenas um afago. O clima era quase fúnebre. Ele abriu a geladeira, ficou um tempo olhando, pensativo, pegou a garrafa d’água, encheu um copo e bebeu. Quase sem pensar.
Não atendeu as ligações, não respondeu mensagens, não ligou o computador para ver e-mails, nada. Queria o silêncio de sua solidão voluntária. Era um luto contido, sem estardalhaços. Era para si e não para os outros. Já havia passado por isso outras vezes, mas a sensação era como a primeira. “Perdi, perdemos, como foi possível?”.
Sentou no sofá e ligou a TV em um canal de seriados. Nada de noticiários. Queria se distrair sem ter que raciocinar muito. Pegou o celular e enviou uma mensagem para a mãe: “Estou em casa. Está tudo bem. Nos falamos amanhã. Bjs!”. Sabia que ela entenderia e o deixaria em paz. Há momentos que o afastamento é a melhor companhia.
Não saía de sua cabeça a imagem da menina que chorava. Não deveria ter mais do que 16 anos. Tinha sofrido pouco, ele pensava. Era apenas o começo. Porém quantas alegrias também ainda estariam por vir? Ela nem poderia prever. A experiência tinha trazido não a resignação, mas a sabedoria para ver que tudo passa e algo novo começa. A esperança se renova. O outono parte, o inverno esteriliza, para que a primavera traga novos frutos. Tudo na natureza é assim. Vai, volta, renasce.
O interfone tocou.
“Droga…esqueci de desligar”, pensou. Foi até a janela e viu Carlos, seu amigo desde a adolescência. Foi com ele que viajou sem os pais pela primeira vez, matavam aula juntos, até namorada dividiram, em momentos diferentes, é claro.
-Abre aí pra mim?
-Peraí.
O amigo subiu.
-Te perdi hoje.
-É. Quis ver sozinho.
-Nem pra avisar?
-Foi mal… Celular descarregou.
-Entendi. Então…não queria ficar em casa e vim aqui. Vamos beber uma no bar do Arnaldo?
-Não to afim de ver ninguém, enfrentar o sarcasmo dos outros, vou acabar me estressando.
-Para de graça e vamos logo. Nem troca de roupa. Quem se esconde é covarde.
-Eu sei. É que dessa vez parecia tão certo.
-Também achei. E daí? Semana que vem tem mais e vou acreditar de novo. Vai desistir por acaso?
-Nunca.
Se levantou e algo nele mudou. O semblante era outro. O cachorro abanou o rabo, deu um latido. O “pai” já estava animado de novo. Colocaram a coleira nele para acompanhá-los.
Desceram trajados. Não havia vergonha em vestir a camisa tricolor. Em seus olhos a certeza de que tudo passa e o Fluminense não passará jamais, pois é eterno. Ninguém ousou contrariá-los. Não se mexe com um guerreiro ferido.
Algumas cervejas depois, se abraçaram e ele disse ao amigo:
-Quinta-feira estaremos lá.
-Três a zero ta bom?
-Não seja pessimista. Cinco.
-Então fechado.
Retornaram para suas casas. A tristeza já não tinha mais espaço.
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Imagem: acervo Valterson Botelho