Entre(nossas)vistas
Por: Luiz Alberto Couceiro
Gosto muito de conversar. Coisas de antropólogo… Mas esse gosto não surgiu durante meus anos de formação profissional. Conversar, olhando, agora, para anos atrás, sempre foi uma forma mais econômica que encontrei de aprender com as experiências dos outros. Econômica em termos financeiros e não necessariamente em termos emocionais. Além disso, para mim, essas relações narrativas envolvem a pedagogia do saber falar e escutar, argumentar, ponderar, respeitar opiniões contrárias às nossas e nem sempre termos em nossos ouvidos frases de sons agradáveis. Nada disso vem pronto, ao menos pra mim, como se fosse um pacote Windows genético, ou por algum tipo de programação divina ou mística qualquer.
Há algum tempo nosso País estava envolto em mares de silêncio, com ondas muito fortes golpeando as cabeças daqueles que cismavam em falar suas opiniões aos quatro ventos. Elas vinham poluídas com balas, chumbo-grosso, tiros dados pelas costas, e entravam nas bocas de muitos incautos brasileiros. Nossos vizinhos do Cone Sul sofreram, ao menos os que tinham “excesso de opinião”, com os covardes condores que sobrevoavam essas ressacas. Alguns deles eram tão fortes, na época, que provocavam enormes ondas com o bater de suas asas. Perdemos a chance de sermos campeões do mundo em meio a essa situação esdrúxula, provocada por pessoas covardes que mentiam sobre suas próprias ideias e atitudes para nossa população e para a de outros países. Hoje, de certo modo, vivemos um período de calmaria se comparar aos mares reacionários de outrora. Alguns respingos ainda ocorrem e nos molham aqui e acolá. Enxugamos-nos e seguimos adiante. São poucos os que falam abertamente que gostariam que aquele maremoto conservador, canalha e mesquinho voltasse. Admiro os que têm coragem para dizer isso publicamente.
Enchi-me de opiniões e dúvidas em ambos esses ambientes. Que ótimo! Mesmo em conversas sobre futebol aprendi a pensar, observar, dar sentido, a vida, as relações sociais. Como assim “mesmo em”? É… muitas vezes visto como “ópio do povo”, o futebol em nosso País é muito mais do que aquilo que ocorre, hoje em dia muitas vezes de forma melancólica, sonolenta, conformada, durante o período cronometrado de uma partida. Muitos de nós somos socializados em meio à memórias futebolísticas, expressões que surgiram dos “mundos da bola”, metáforas construídas a partir de jogadas, dribles, do comportamento de jogadores dentro e fora do campo.
Venho tendo a felicidade de compartilhar emoções e visões de mundo com amigos que usam o futebol como referência para dar significado à situações vividas por eles e por outras pessoas próximas. Amigos que usam o futebol para sorrir e chorar, e que também o usam para questionar e responder. Com eles, por meio de nossas conversas ora otimistas, ora pessimistas, mas sempre animadas por nossa oportunidade de as estarmos produzindo, de forma sempre reflexiva e provocadora – que digiro por dias e dias – venho construindo muitos de meus pontos de vista.
Por que não, então, transformar algumas delas em bate-papos transcritos aqui em nosso querido e abnegado PANORAMA TRICOLOR? Pensei nisso para poder compartilhar com nossos leitores de tipos de questionamento por meio do futebol. Pensei nisso porque não acho que os leitores, ao menos todos, os que nos acessam têm a necessidade de tomar um porre de informações. Pensei nisso porque alguns de nossos leitores possam ter o desejo de degustar um texto feito a partir da interação entre duas pessoas que também curtem falar de e através de futebol. Não são textos de leitura rápida, imediata, do tipo “entendi e acabou, é isso mesmo!”. São textos de leitura conflituosa, com os quais os leitores poderão brigar, rir, chorar, cantar, xingar, pensar. São textos que tocam em algo fora de moda: aprendermos a sustentar nossas angústias. É isso mesmo! O que importa é estimular o pensamento crítico por meio do futebol como linguagem socialmente constituída e, de certa forma, legitimada para dar sentido ao mundo e questioná-lo. Nessas conversas transcritas, mais do que “meras” entrevistas ou “meros” depoimento chapa-branca, repletos de elogios e lugares comuns sobre nosso Fluminense, nosso futebol e outros temas que podem a eles serem correlacionados, mais vale uma pergunta precisa bem colocada do que uma afirmação tosca e cretina. Mais vale uma reflexão provocadora do que uma jogada firulenta para levantar a galera e,no fim, dar e muita pouca coisas construtiva.
Os entrevistados foram, são e serão escolhidos por mim, co-autor das colunas, pela afinidade com a dinâmica proposta. Como assim? Tanto os convidados quanto eu somos autores de um texto, fruto de conversas por nós entretidas. Quem são eles, então? Vou revelar os três primeiros, mas não direi as datas. Os leitores podem se deparar, de maneira surpreendente, com alguma entrevista em nosso PANORAMA TRICOLOR. Não temos hora marcada pra isso! A surpresa faz parte do jogo.
São eles três importantes jornalistas, grandes amigos, admito, e que levaram minha ideia adiante e com muito gosto: Maurício Siaines, Biaggio Talento e João Marcelo Garcez (esse aí, na foto que me enviou por e-mail). São, respectivamente, torcedores do Flamengo (não vamos torcer o nariz e nem ficar com alergia pra isso, não é? Não vamos reproduzir revanchismos tacanhos!), Bahia e, claro, do Fluminense. Maiores informações? Ah, na próxima coluna! Mais um detalhe: quem sempre estiver esperando por um entrevistado que seja torcedor do Fluminense ficará decepcionado em muitas ocasiões…
(Anti)Ácido ou… Couceiro entrevista #1: Biaggio Talento
Lá pelo ano de 2006 depois de Cristo… aventurei-me pelas terras da Baêa de São Salvador. Além da felicidade de ter assistido, em plena falecida Fonte Nova, ao empate de 2 x 2 entre o Flu e o Baêa, pela Copa do Brasil de 2007, colecionei histórias e experiências marcantes e divertidíssimas – muitas delas nada bacanas no momento em que as vivi, diga-se de passagem. Não queria salvar ninguém. Como estou tentando me tornar um vencedor, buscando uma saída digna do Mobral dos perdedores, digo que fiz um investimento, um empreendimento intelectual e afetivo. Quis o destino, ainda em meu exercício de acreditar que isso exista em mais um passo para tentar me tornar um homem de sucesso, que conhecesse pessoas com senso crítico bastante peculiar para os tempos do politicamente correto que ainda vivemos. Biaggio Talento é uma dessas pessoas.
Jornalista com larga experiência em cobrir fatos bizarros que lhe caíram no colo quando trabalhava para O Estado de S. Paulo, narrados de maneira divertida em A sucursal – livro esgotadíssimo e por ele mesmo editado –, Biaggio é filho de italianos imigrados para Salvador e que abriram restaurante, de anos de sucesso, em pleno bairro do Pelourinho. Desde cedo, pensei que só o fato de um soteropolitano ser assim chamado, quase que um personagem de filme de Ettore Scola, já daria ideias para roteiros de comédia. Seu pai tinha o emprego, sem ideologias demagógicas, para ganhar a vida mesmo, de motorista das tropas de Mussolini! Contudo, havia elementos mais instigantes ainda em sua trajetória.
Penso ser Biaggio uma pessoa cética em relação à melhoria de um modo geral de nossa sociedade, uma vez que teve o (des)prazer – isso já é minha interpretação – de ter entrevistado figuras de altíssimo poder decisório na política nacional, como Antonio Carlos Magalhães. Mesmo com seu humor de estilo irônico, Biaggio era recebido carinhosamente por ACM – com quem tinha claras discordâncias. Viu e ouviu muitas histórias de embrulhar o estômago de quem, como ele, tem um mínimo de senso de ética com os recursos e os serviços públicos. Aprendeu a rir para não chorar, em diversas andanças pelos rincões do imenso estado da Baêa.
Já trabalhando no jornal A Tarde, onde é um dos editores, dedicou-se à pesquisas profundas, em diversos arquivos, acerca da compra da boa morte, do sossego da alma, de elites políticas e econômicas de Salvador nos períodos colonial e imperial de nosso passado – digamos assim, didaticamente. Algumas pessoas diziam que acreditavam nessa possibilidade e construíram relações de mercado, com tabelas de preços complexas, redes de relações e reciprocidades, com outros tantos agentes sociais. Biaggio descobriu documentos e mais documentos, e os analisou em livro a ser lançado em breve sobre as relações entre essas pessoas e a Igreja Católica na Bahia, que trazem curiosos relatos e justificativas de ambos os grupos sociais envolvidos nesse grande negócio da fé e da salvação. Nesse embalo, publicou caprichada nova edição (vendida no Rio somente na Livraria Folha Seca, vizinha ao CCBB), cheia de fotografias por ele mesmo tiradas, na maior parte das vezes, de Basílicas & Capelinhas. Trata-se de um dos livros mais informativos, se não o mais, acerca dos principais templos católicos de Salvador.
Isso já seria o suficiente para entrevistar Biaggio, inaugurando aqui no Panorama Tricolor a série (Anti)Ácido… Couceiro entrevista? Penso que não. Absolutamente não! Torcedor do Baêa (assim reproduzindo o sotaque dos fanáticos tricolores baianos), Biaggio não se presta a fanatismos toscos e se recusa a romantizar a dureza em que se transformou nossos jogos de futebol. Outrora um grande prazer, quando havia menos grana envolvida em todas as relações nele estabelecidas, o futebol tornou-se alvo de críticas desse jornalista, pesquisador e escritor de mão-cheia que, por motivos diversos, não é conhecido como deveria e merecia, por sua competência, em outros estados do País. É com ele que tenho o prazer de inaugurar essa sessão do Panorama Tricolor. Que ela seja interessante enquanto dure…
As pessoas com as quais converso em (Anti)Ácido são queridos e críticos torcedores, tanto do Flu quanto de outros times, e que buscam fugir dos discursos “chapa-branca” sobre futebol. Agradeço a elas por se disporem a participar desse exercício de reflexão sobre os “mundos do futebol”, expondo de forma corajosa seus pontos-de-vista, dividindo suas angústias, dúvidas e certezas. Elas tratam desses “mundos” como conjuntos de redes de relações que podemos através delas identificar, estabelecidas e pegas como motes para a compreensão aspectos diversos de nossas formas de construção de sentido à vida social. Os próximos serão também dois jornalistas: Maurício Siaines e João Marcelo Garcez. Os outros eu deixo envoltos nos mistérios da vida, assim como estão, não por minha vontade, os resultados de nossa greve de professores, funcionários técnico-administrativos e alunos da UFRJ e das demais universidades federais do País.
LC: Desculpe-me por iniciar essa conversa com uma pergunta um tanto quanto óbvia, ao menos pra nós dois, mas… Como você entende a diferença de títulos nacionais entre os times das regiões Norte e Nordeste e os do Sul e Sudeste do Brasil?
BT: Como diria o estrategista de Bill Clinton, James Carville: “It’s the economy, stupid!” Normalmente, o segredo do sucesso no futebol e outras atividades que dependem da economia, está no dinheiro. Maiores verbas de publicidade, por exemplo, mais recursos para investir na formação de bons jogadores e adquirir e manter outros. Quando ocorre uma exceção e um time modesto se destaca, como ocorre com os clubes do Nordeste, ai ele vira notícia para os jornais e TVs de Rio e São Paulo. Vivi isso nos 19 anos que passei como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo na Bahia. Somente o que se destaca vira notícia em todo o País.
LC: Como o Bahia, em meio a todo esse cenário contrário a times dessas regiões serem campeões nacionais, chegou ao título brasileiro de 1989?
BT: O técnico do Bahia, Evaristo de Macedo, responsável maior pelo título, é que dizia, segundo os radialistas daqui: “ganhamos o campeonato (de 1989) com um time de merda!”. Como lhe falei, acompanho o futebol com certo distanciamento, mas percebo que há um componente de psicologia, sorte, e coincidências muito grande para um time ganhar pro outro. Claro que tem o fator do treinamento, da qualidade de domínio de bola do jogador, mas o futebol me parece um esporte um tanto incerto. Quando um sujeito chuta a bola, ela pode ir para a bandeirinha de escanteio ou pro gol. Depende de tantos fatores. Naquele ano, o Bahia tinha alguns jogadores bons e ganhou partidas decisivas. Deve ter contado também com o desprezo dos adversários. Além do mais, era um campeonato de regulamento diferente do atual, de pontos corridos. Parecia mais com o regulamento da Copa do Brasil, cujo caminho para ser campeão é bem mais fácil. Mas nada disso tira o mérito do título do time.
LC: O Vitória não conseguiu um título nacional, não teve essa série de fatores a seu favor em momentos decisivos?
BT: Chegou perto duas vezes. Foi vice do nacional e da Copa do Brasil. Faltou um pouco de sorte. Nessa hora tem uma pressão muito grande sobre o jogador e se ele é de um time do Nordeste a pressão é maior ainda.
LC: Há uma forma peculiar, específica, de os torcedores na Bahia viverem a paixão por seus times?
BT: É curioso o que se passa aqui com a torcida do Bahia, especificamente. Acho que com a do Santa Cruz , de Recife, também. O estádio lota. Em qualquer campeonato estão sempre entre os líderes de público. Quando não estão em primeiro lugar é por causa da capacidade reduzida dos estádios. Na redação do jornal A Tarde, onde trabalho, há essa rivalidade que deve existir em todas as redações de jornal. No caso daqui é Bahia e Vitória. Existem alguns torcedores que fazem o seguinte para provocar o adversário quando o time dele perde ou é eliminado em algum campeonato: vão trabalhar, no dia seguinte, com a camisa do time que venceu o Bahia ou o Vitória. Teve um sujeito que conseguiu a camisa de um time do interior do Rio Grande do Norte, acho que foi o Baraúnas, que eliminou o Vitória da Copa do Brasil. Deu um trabalho retado, mas ele tava lá, com camisa do Baraúnas, só pra provocar os rubro-negros.
LC: Políticos e empresários vêem, de antemão, um enorme filão para seus fins individuais quando assumem a presidência de nossos times?
BT: Os times sempre foram usados para interesses privados dos seus dirigentes. O curioso é que, apesar de todas a esculhambação e das falcatruas, o Brasil é pentacampeão de futebol. Imagine se a coisa fosse organizada aqui. Então, esse caos acaba equilibrando as coisas, mas a cada copa do mundo parece que isso tá mudando e a organização e a honestidade vão se impondo.
LC: Recentemente, na Itália, tanto a Igreja Católica quanto o futebol sofreram ações duras tanto da justiça quanto da política, através de longas investigações e execução de prisões. Deixemos de lado a Igreja… Mesmo com a CPI do futebol, o caso de Kia no Corinthians, casos e mais casos de combinação de resultados, como você entende os mecanismos de abafamento de escândalos em nosso futebol?
BT: É mesmo fenômeno que leva o brasileiro ser tolerante em relação à corrupção do mundo político. Enquanto o time tiver ganhando, isso serve para a economia brasileira e as equipes de futebol, poucos ligam pra corrupção.
LC: Você pensa que, no Brasil, de um modo geral, há uma exagerada dedicação de certo número de pessoas ao futebol, digo, os chamados torcedores?
BT: Claro. Mas isso está dentro dessa banalização “cultural” que transforma qualquer idiota em celebridade. Veja a audiência do BBB.
LC: Em que sentido o futebol proporciona felicidade a um número significativo de pessoas no Brasil? Se ele é uma espécie de ópio do povo, como você entende esse suposto processo de produzir um povo dopado para não valorizar outras questões e assuntos?
BT: Para mim isso sempre foi um grande mistério. E nem se pode dizer que o futebol e a religião conseguem entrar com mais facilidade na cuca de pessoas incultas, pois isso não é verdade. Creio que tem mais a ver com a necessidade do espírito de grupo do ser humano. Precisamos torcer por algo, coisa e tal. Mas isso chega a absurdos como torcedores se matando ou pedindo para ser enterrado com a bandeira do clube e agora, com o novo fenômeno, ser sepultado no cemitério do clube do coração, pois como dizia o torcedor do Fluminense Nelson Rodrigues “a morte não exime ninguém de seus deveres clubísticos”.
LC: As formas de vivenciar os “mundos do futebol”, como venho conceituando, se assim posso dizer, em coluna no PANORAMA TRICOLOR, podem apontar para percepções criativas do mundo? Podemos elucubrar que as pessoas construam, por meio de sua visão do futebol, mecanismos de dar significado ao seu mundo, ao que vivem?
BT: Tem um cara, deve ter uns 60 anos, que eu vejo fazer Cooper sempre aos domingos quando vou andar na orla [de Salvador, uma vez que Biaggio sempre morou no litorâneo e boêmio bairro do Rio Vermelho]. Ele está sempre vestido com o uniforme do Bahia e acrescentou uma touca tricolor. Ele anda como se tivesse uma bola imaginária nos pés e driblasse jogadores imaginários. E assim vai, no seu mundo particular, todo sorridente e feliz. Acho que esse sujeito não pode viver sem seu time e sem o futebol. Imagine quantas milhares de pessoas existem em condição mental semelhante realizando bizarrices por causa do seu clube. Veja o que o fanatismo faz, por exemplo, em relação a Neymar. O cara é esteticamente horrível, mas as mulheres vão à loucura com a sua presença, embora, é verdade, muitas estejam de olho na conta bancária dele.
LC: Você entende que o futebol seja hoje, no Brasil, tão-somente um grande negócio que escroques de plantão, com suas redes privilegiadas de compra e venda de jogadores e demais lobbies, aproveitam-se de uma gama de pessoas ávidas por lucro rápido, altíssimo, que querem enriquecer do dia para anoite?
BT: O que esperar de um segmento que não tem o menor controle, tem leis e negócios próprios? Enquanto houver esse fanatismo da populaça, sem a menor cobrança em relação às falcatruas, os bolsos dos “agentes” da área vão se abarrotando.
LC: Você deve ter um monte de histórias curiosas sobre fatos assim, no futebol baiano…
BT: Como não sou da área [no jornalismo profissional] não tenho. Me lembro vagamente de alguns casos sempre ligados à desinteligência dos jogadores. Mas se citar isso vão me acusar de bullying…
LC: Como jornalista experiente que é, quais são as mudanças que você observa na cobertura da imprensa escrita sobre futebol? Os menos aptos, nas redações, de fato são os jornalistas designados para a sessão de esportes?
BT: Também nunca entendo a importância que se dá nos jornais à cobertura do futebol, por uma coisa muito simples. A matéria sai no dia posterior a uma partida que o cara já viu no dia anterior pela televisão ou no estádio. Prá que serve então? Disseram-me que o torcedor é tão fanático que gosta de ler a matéria nos jornais quando seu time ganha, ver o elogio dos cronistas a determinado jogador, etc. Acho que é falta de ambição na profissão querer ficar na editoria de esportes. Os que percebem isso, progridem, passam para outras editorias e tem o horizonte bem mais ampliado. Acho que os que resolvem ficar na editoria de esportes é porque são no fundo (com exceções) grandes torcedores e gostam de circular entre seus ídolos.
LC: As três perguntas abaixo também foram feitas para o jornalista carioca Maurício Siaines, mais ligado e encantado pelo futebol do que você. Por você ter outro perfil, e por curiosidade, as faço novamente nessa nossa conversa.
Em que termos podemos pensar que os jogos transmitidos por rádio ainda alimentam o imaginário social sobre os clubes, os jogadores e seus desempenhos?
BT: O rádio tem a ver com os primórdios do futebol. De fato criou-se uma simbiose entre o esporte e o meio de comunicação. Locutores esportivos, no passado, passaram à condição de mito, devido ao estilo, às frases feitas criadas e à contribuição para todo esse universo. Na minha opinião, jogadores e torcedores levam muito em conta as transmissões esportivas e agregam ao seu vocabulário muitas das expressões (algumas bem idiotas) dos locutores. Mas tem muita coisa criativa. Lembro-me de um achado, não sei bem quem lançou isso: “jogador aposentado em atividade”. Acho sensacional. Definição perfeita para aqueles jogadores famosos que já deram o que tinham que dar e é contratado em fim de carreira com todas as expectativas que ainda podem explodir, reviver seus velhos tempos. O caso mais recente é o do Ronaldinho Gaúcho. É preciso ter um bom empresário e um bom propagandista para continuar enganando todo mundo.
LC: A televisão, de fato, tomou a dianteira absoluta na transmissão de informações sobre futebol para os torcedores em geral? Até que ponto isso muda com a maneira de assistirem os jogos?
BT: Para mim a TV deixou sem sentido os outros meios de comunicação no campo esportivo. Se você assiste as partidas em tempo real, pra que mais? No entanto, como disse, o fanatismo faz o torcedor procurar todos os meios que falam sobre o seu time.
LC: Embora tenha um novo segmento social (chamado equivocadamente, ao meu ver, de “nova classe média”) em termos de aumento do poder de consumo, outrora muito ligado ao hábito de ir ao estádio, estes estão cada vez mais vazios. Você não acha curioso que os estádios fossem mais cheios, no Brasil, exatamente quando tínhamos pior distribuição de renda, salários mais baixos, inflações galopantes, menos empregos, ditadura e clubes de futebol menos estruturados em termos financeiros?
BT: A televisão tem muito a ver com isso. Mas o preço do ingresso também aumentou e acabaram o que tinha de mais encantador nos estádios que era a geral, que estava sempre cheia e sempre com muitas pessoas de baixa renda devido ao preço barato. No antigo estádio da Fonte Nova, – creio que em outros também – existia a prática de abrir os portões quando faltavam dez minutos para uma partida acabar. Aqui na Bahia isso era conhecido como “xaréu”. Os pés rapados ficavam na porta do estádio ouvindo a partida pelo radinho esperando abrir o xaréu. Quando davam sorte ainda conseguiam ver um golzinho nos minutos finais.