Quem lê o que se assina no Brasil? Parece-me que ninguém. E, assim, a ideia da legalidade digladia-se com o princípio da moralidade a todo o momento. Ora, há os que defendem a lei ipsis litteris, ora outros surgem para defender os princípios morais, independentemente do atendimento à lei. O que se percebe é que a negligência no momento de estabelecer contratos, regulamentos e acordos gera essa falsa controvérsia que alimenta há muito as paixões de lado a lado.
O Campeonato Estadual do Rio de Janeiro teve seu regulamento – que abarca toda a estrutura, fórmulas de disputa e tudo o mais – discutido em setembro do ano passado. Sempre a toque de caixa, sem atenção ao que se acorda e, principalmente, desprezando-se por completo o bom senso. Não somente aquele pregado pelo movimento homônimo dos jogadores de futebol, mas aquele minimamente necessário a qualquer atividade social humana.
Desta forma, pela necessidade da diminuição de datas, “discutiu-se” a mudança da fórmula de disputa. Como solução, manteve-se o número inchado de 16 participantes, como se não houvesse o enorme problema da existência de jogos deficitários no estadual. Para diminuir o número de datas, eliminaram-se dois jogos decisivos, os poucos a dar algum lucro no campeonato.
Com apenas um turno, perderam-se a semifinal e final da antiga Taça Guanabara, que agora foi transformada no turno único do campeonato, sendo seu campeão a equipe que somar mais pontos na fase. As quinze rodadas perfazem um total de 120 jogos, dos quais 66 envolvem apenas os clubes pequenos – absolutamente deficitários –, 48 são confrontos entre grandes e pequenos – potencial e provavelmente deficitários – e seis clássicos – dependendo das circunstâncias, deficitários ou não. Exatamente como no campeonato de 2013, alvo de inúmeras reclamações com relação a prejuízo para os clubes.
Mas, o Carioquinha de 2014 promete dar um prejuízo a mais, já que os quatro jogos semifinais (Taça Guanabara e Taça Rio), as duas finais dos turnos e os dois jogos da finalíssima (oito jogos ao todo) foram substituídos por semifinais e finais em ida e volta (seis jogos). Como cereja esdrúxula de um bolo mal confeitado, haverá títulos “honoríficos”, como o Campeão do Torneio Superclássicos, destinado ao clube grande que somar mais pontos nos clássicos; e o Campeão da Taça Rio (sim, existe, com o nome de “Torneio Extra”!), que será o clube pequeno que somar mais pontos no campeonato, retirados aqueles obtidos contra os grandes.
Qual a razão em se aceitar mais uma vez um campeonato deficitário? Além disso, por que não privilegiar o nível técnico da competição? Será que nenhum representante de clube nenhum não percebeu que essa fórmula não compensa? Ninguém foi capaz de levantar questão alguma sobre os estádios onde os clubes jogariam? Ninguém foi sagaz para perceber que, em um campeonato de turno único, em que cada “grande” disputa três clássicos, alguns teriam mais mandos de campo que outros?
Os mandos não seriam problemáticos caso a renda dos clássicos fosse divida. Mas não. Os espertos dirigentes aprovaram uma fórmula em que a renda dos clássicos está subordinada ao resultado. Além disso, no Conselho Arbitral, decidiu-se facultar ao clube mandante a definição dos preços dos ingressos para esses jogos. Fico me perguntando sinceramente se essa gente enxerga que o futebol é um negócio altamente rentável quando bem gerido.
E é isso que explica a majoração dos ingressos do Fla x Flu por parte da diretoria do Flamengo. Quero discordar das outras teorias mais conspiratórias para ater-me ao simples: o Flamengo será mandante em apenas um clássico: o Fla x Flu. Somando isso ao restante do campeonato deficitário, a solução dos dirigentes foi “maximizar” os lucros. Uma decisão burra, evidentemente, mas não exclusiva de rubro-negros – quantas vezes o Flu aproveitou alguma oportunidade para majorar ingressos, buscando lucros maiores? – Os clubes são os próprios responsáveis pela falência do campeonato estadual, desde a produção das peças inacreditáveis que são os regulamentos até as “soluções” dos problemas por eles mesmos gerados.
O óbvio ululante é que seria melhor ter os estádios cheios, mas isso dependeria de uma série de fatores – administrativos, financeiros e esportivos – que não parecem ser a preocupação dos dirigentes dos clubes de futebol. Ingressos caros para jogos sem público, eis a agressão à moralidade esportiva. Afastar o torcedor dos estádios é o suicídio administrativo dos clubes. Mas isso não parece ser tão claro assim para parte da cartolagem.
Por fim, apesar de achar absurda a majoração do preço dos ingressos no Fla x Flu, fico com a legalidade. Sim, eles têm o direito de fazer isso, portanto, cumpra-se a lei. Ainda que seja uma decisão estúpida não só para nós, mas para próprio o futebol. Que nós não sejamos estúpidos de tentar em outro momento “dar o troco” na mesma moeda. E que possamos ser inteligentes na hora em que formulamos os regulamentos, para evitar que as estupidezes encontrem terreno fértil nos combalidos gramados cariocas.
Em tempo: não vou ao Fla x Flu. A legitimidade do Flamengo em aumentar os ingressos é diretamente proporcional à minha decisão de consumidor em não contribuir com o processo.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
PAGAR O QUÊ – À VENDA
Boa.
Certo que o nível técnico não motiva, mas se é pra deficitário de qq jeito, eu baixaria o preço para pelo menos atrair público. Salvo engano em 2004, quando resgataram a fórmula de finais de turno, foi sucesso de público e o nível técnico não era nenhuma maravilha.
A própria presença de público realimenta o interesse. Lógico, ninguém se interessa por um campeonato vazio, mas por um de casa cheia sim.
Eles não enxergam isso. Nem para o campeonato brasileiro.
S.T.