Tradições (por Ernesto Xavier)

ERNESTO XAVIER

A partir de 1958 o mundo do futebol passou a girar em torno do Brasil. “Quem são aqueles assombros?”, perguntavam estupefatos os torcedores, que não acreditavam o que os “samba boys” eram capazes de fazer com a bola nos pés. Nós aqui no Brasil já estávamos acostumados. Em cada esquina se via um garoto com sua bola de meia a driblar os amigos e fazer jogadas de puro talento e ginga. Aquilo era novidade no resto do mundo. O futebol que se conhece hoje não foi inventado pelos ingleses, e sim por nós.

Dá para imaginar um time com Garrincha, Pelé, Nilton Santos, Djalma Santos, Vavá, Zagallo… Todos jogando o melhor de seu futebol. Dali em diante passaram a estender o tapete vermelho para que os brasileiros passassem.

Quando um clube de nosso país ia excursionar pela Europa(sim, nós fazíamos temporada no exterior) dificilmente alguém nos vencia. O prestígio que tínhamos era enorme e todos pagavam para ver o que seríamos capazes de inventar. Tudo no mundo evolui, muda, fica mais dinâmico, porém durante décadas nossa superioridade permaneceu intacta, mesmo quando não estávamos exatamente no topo, éramos temidos por qualquer Barcelona, Real Madrid ou Bayern. Éramos o país do futebol!

O que aconteceu nos últimos tempos? Sucumbimos à geração PlayStation?

Hoje em dia é raro algum time brasileiro poder disputar um amistoso ou torneio internacional, com isso perdemos o hábito de enfrentar times de alto nível e culturas diferentes. Eles, os estrangeiros, passaram a ser desconhecidos para nós. Passamos a conhecê-los e admirá-los pelo que vemos nos jogos de video-game e nos vídeos dos melhores momentos no Youtube. Agora eles é que passaram a ser intocáveis, inalcançáveis.

Em 10 de junho de 1975 o Fluminense entrava em campo com Félix; Toninho, Silveira, Assis e Marco Antônio; Zé Mário e Kléber; Cafuringa, Paulo Cézar Caju, Rivellino e Mário Sérgio. Sabe quem iríamos enfrentar? O Bayern de Munique bi-campeão europeu. Sabem o resultado? 1 a 0 para o Fluminense, gol contra de Muller. Aquele mesmo que foi o grande artilheiro de todas as Copas até que Ronaldo o ultrapassou. O time alemão tinha ainda Beckenbauer, Rummenigge e Sepp Maier, o goleiro que fez milagres naquela noite. O Fluminense comandado por Rivelino e Paulo Cézar Caju (que fazia sua estreia), pressionou o jogo inteiro, impondo seu futebol. Dá para imaginar algo parecido hoje?

Vamos um pouco mais à frente. 3 de junho de 1984. Duas semanas após o bi-campeonato brasileiro. Excursionamos pelos EUA e lá enfrentamos o poderoso Barcelona de Maradona. Estávamos desfalcados de Paulo Victor, Jandir, Deley, Assis e Tato. Todos servindo a seleção brasileira. O resultado? 2 a 2 no tempo normal, 5 a 4 para o Barcelona nos pênaltis. Jogo duro e bem disputado.

O tempo passou e hoje quando vamos aos EUA é para enfrentar um time da 3° divisão deles. Para a Europa nem se cogita. Por quê? Vários motivos. Calendário é o maior deles. Os garotos das categorias de base estão acostumados a viajar pelo mundo inteiro, mas apesar das camisas tradicionais que enfrentam, não são os mesmos jogadores famosos que tanto idolatram e por isso jogam de igual para igual. Mas tenho certeza de que se enfrentassem um Messi, Robben, Cristiano Ronaldo, Balotelli, ao invés de jogarem o que sabem, estariam mais preocupados na foto que iriam tirar no final do jogo para postar no Instagram, na camisa que gostariam de trocar, no aperto de mão que dariam nos ídolos.

A era das redes sociais fez mal ao futebol brasileiro. Deixamos de ser referência, para fazer reverência. Nossos garotos não entendem o valor de nossas tradições, não sabem que o futebol que temos no DNA nunca será imitado perfeitamente pelos jogadores de “cintura dura” europeus.

Quero ver nosso clube fazendo jogo duro e ambicionando a vitória contra o Paris Saint German, Milan, Internazionale. O Fluminense está destinado à glória. Nossa história está aí para provar. Nosso calendário precisa mudar sim. Mais do que isso, precisamos novamente acabar com a “Síndrome de Vira-Lata” que Nelson Rodrigues tanto falava. O que era para ser enterrado ficou nos gramados do Maracanã em 1950. A geração de 1958, que tinha nosso heroi Castilho no banco de reservas, recuperou nossa auto-estima para todo o sempre. Devemos ser temidos e não temer. Quando o adversário parecer mais imponente, cantem o hino: “Vence o Fluminense!”.

 

Ernesto Xavier

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: Flumania