18 anos é muito tempo. Suficiente para apagar da memória muitas coisas. Boas e ruins.
No entanto, há algumas situações pelas quais passamos que, por mais que a vida traga fatos que nos tirem do marasmo cotidiano, ficam indeléveis.
Fanático por futebol, entre milhares de experiências, a mais significante foi o Fla x Flu decisivo do Campeonato Carioca de 1995. Certamente, se tivesse visto pela TV, não teria essa profunda marca em mim. Como fui ao Maracanã, quase tudo o que aconteceu naquele final de semana permanece vivo, atual.
Dentre as diversas lembranças, uma delas vem periodicamente: o espaço de tempo entre o empate rubro-negro, com o sentimento de derrota a partir dali, e o gol de Renato Gaúcho. Esse trecho é muito marcante porque se uniu com outra época, cujos acontecimentos foram semelhantes: o Fla x Flu de 1983. Aquele em que o Assis marcou o gol da vitória no apagar das luzes. Os dois Fla x Flus representam o eterno elo entre mim e meu pai.
Meu pai morreu em 1985. Dois anos antes, assistimos ao Fla x Flu do Carrasco Assis juntos, em casa. Naquele ano, 1983, antes, ainda, do começo do campeonato, meu pai tinha certeza absoluta do título. Eu duvidava, afinal, o time não inspirava nenhuma confiança. Era novo, em formação. Jogadores que, depois, tornaram-se ídolos, ainda não tinham construído história. No transcorrer do torneio e com a conquista da Taça Guanabara, fui vendo uma realidade diferente da que imaginara antes.
Chegou o dia da decisão contra o Flamengo. Estava animado. O Fluminense batalhava, mas não conseguia chegar às redes de Raul. Perto do fim, lá pelos quarenta do segundo tempo, lembro-me como se fosse hoje, eu já tinha jogado a toalha. Virei para o lado e comentei:
― É, pai, já era…
― Vai dar. O Fluminense vai ganhar!
Continuei no meu ceticismo. Pouco depois:
― Pai, quarenta e dois; não vai dar.
― Vai. Vai sair um gol.
A irritação com essas palavras era maior até do que a do fim do sonho. Quarenta e três:
― Pai, já era.
― Vai sair um gol.
Todos conhecem o fim daquela história.
Em 1995, antes do gol de Renato Gaúcho, tive os mesmos sentimentos. O fim de jogo aproximava-se e via o sonho de ver o Fluminense campeão, no Maracanã, ir embora.
Sempre vinha à mente 1983, meu pai e a certeza da vitória, mesmo quando o fim já estava decretado. Tentava, tamanho o desespero, falar-lhe. Tentava reencarnar meu pai na realidade daqueles minutos finais:
Vai sair um gol.
Nada acontecia. Meu pai não respondia. Queria que o tempo parasse para não sentir o amargo daquela derrota. O tempo teimoso não parava. Era longo, era eterno, era lento, mas não parava e sofria junto. Os urros dos rubro-negros já me cansavam, pesavam, as pernas arqueavam. Muita gente chorava. Tentava meu pai:
Vai dar. O Fluminense vai ganhar!
Nada acontecia. Meu pai não respondia. Muita gente chorava. Muita gente ia embora. Famílias brigavam; uns querendo ficar, outros, desistir. Muita gente desistiu.
Ailton desafia a descrença e tenta um último lance. Nada a perder. Os que restam em campo, desorganizados, acompanham. Recorri ao meu pai. Tentava mudar o destino, imaginando ouvir:
Vai dar.
Ailton demora, não acha espaço, corta para um lado, ainda não dá, corta para o outro, agora dá, chuta. O chute sai errado:
Vai dar. O Fluminense vai ganhar!
O chute sai errado, mas bate em alguém, desvia, vai em direção ao gol:
Vai dar. O Fluminense vai ganhar! Vai ser campeão!
Muito tempo depois do fim do jogo, ainda dentro do Maracanã, queria que o tempo parasse para não esquecer aquele doce sabor da vitória. Sentado nos degraus da arquibancada, fiquei imaginando-me com meu pai. Difícil explicar. Não os dois no mesmo momento: juntos, mas eu em 1995 e, ele, em 1983.
O tempo teimoso não parou, mas mesmo longo, não conseguirá jamais apagar essas memórias.
Mauro Jácome
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: PRA
Revisão preliminar: Rosa Jácome
EMOCIONANTE MAURAO…………
Lembro cada momento daquele dia. Os urubus soltando fogos em cima dos torcedores da geral. Depois gritando é campeão. Foi com requintes de crueldadade,vê aquela massa calada e incrédula nao tem preço. Com certeza um dos dias mais felizes de minha vida.
Parabéns pela crônica, Mauro!
Esse jogo é imortal!
ST.
Sem palavras Mauro, apenas o sentimento daquela tarde/noite encantada.
ST
Muito bonito o relato, Emocionante, como foram os jogos! Inspiração para a semana, vamos lutar e conseguir o que queremos. Abraços