SODADE
Logo mais tem Fluzão daquele jeito que eu vibrava quando era garoto, e sequer percebia que os jogos do Carioca eram à tarde porque a maioria dos estádios não tinha iluminação. Jogava-se em todos: Teixeira de Castro, Bariri, Ventos Uivantes, Conselheiro Galvão, Ítalo Del Cima. Para quem tinha doze ou treze anos de idade, atravessar a cidade atrás do time era um romance, uma fantasia sensacional, em tempos de trens relativamente precários, nenhum metrô e a impossibilidade do táxi – com que grana, a da mesada? Matei muita aula para ver o Flu, mas o motivo era justíssimo.
Na volta dos jogos, ganhando ou perdendo – e o período 1981/1982 não era lá essas coisas -, a gente falando e falando de tudo: da torcida, das cores, da atuação e, claro, da próxima partida. Quando vínhamos de longe era uma verdadeira resenha esportiva mirim, mas a mais especial para mim, até por tê-la feito N vezes, era a da volta do Maracanã, especialmente num jogo modesto de quarta-feira à noite. Você entrava no 434 ou 464 (que fazia ponto no portão 18) e tinha uma hora de diversão garantida. Tanto fazia se o público da partida era maior ou menor: o ônibus estava sempre cheio.
Vários radinhos ligados na cobertura do pós jogo, alguém dizendo que o Fanta era a solução no ataque, outro alguém dizendo que o Rubens Galaxe tinha que jogar com a 8, um senhor com treze graus de miopia vociferando “Esse tal de Paulo Victor é um muquirana! O Fluminense precisa de um goleiro” – como se vê, as besteiradas das redes antissociais já tinham precedentes, apenas os boçais e pernósticos tinham menos repercussão (e, cá entre nós, hoje têm?).
Depois de descer a Rua do Riachuelo, o ônibus contornava todo o Passeio Público e tomava a caminho da zona sul. Um ou outro mais animado eventualmente gritava poesias para as travestis da Augusto Severo; quando era respondido à altura, todo mundo gargalhava naquele aperto de gente em pé. O rádio reprisava o áudio do gol e todos comemoravam como se ainda estivéssemos dentro do Maracanã: abraços, gritos, bandeira do Flu pela janela, até um resto de pó de arroz num saquinho que estava no bolso – e ai do motorista que não fosse tricolor. Então eram vários jogos em um: ida, partida e volta. Hoje em dia os moderninhos chamam isso de “experiência”.
Chegando finalmente em Copacabana depois de uma hora de percurso, eu contava as moedas para comprar um hamburger para viagem no Sumol, a famosa casa de sucos que ainda fica na esquina de Figueiredo Magalhães com Barata Ribeiro, hoje bastante modificada. Depois era ir para casa, passando antes pela galera da Silva Castro, falar com meus amigos da Gracie e receber de volta um “Porra, tricolor? Perdeu?” ou “Valeu, tricolor: tirou onda!”.
Trinta e tantos anos depois, ainda é esse o Fluminense que eu persigo: o da camaradagem, da fraternidade, o de olhar um torcedor tricolor e reconhecer nele um irmão. Ainda é possível, ainda continuarei a peregrinar. Uma pena que não dá para ter onze anos pelo resto da vida, matar aula, pegar o trem e cruzar um pequeno país para ver o meu time jogar. A vida adulta exige trabalho, responsabilidades, contas, uma respeitável sala fechada e ocupação na hora de uma partida às quatro da tarde de quarta-feira; enfim, o normal. Então, fico de fora nesta quarta e no domingo.
Uma sodade do cão, caras.
SETECENTOS, SETECENTAS
Nosso blógui nasceu há quase cinco anos e aqui somos um time mesmo, sem vaidades e estrelismos, senão seria impossível juntar mais de vinte pessoas para a tarefa de escrever um livrão diário sobre o Fluminense.
É natural, mas nem tanto assim, que a figura do PANORAMA esteja muito ligada às imagens de Marcus Vinicius Caldeira e a minha, até porque somos os fundadores remanescentes ao lado de Catalano O Bacalhau, bem como por outras razões. Mas é bom que se diga: aqui é time, é coletivo, é união, mesmo que ninguém saiba o que o outro vai escrever, já que a pauta é livre. E foi essa liberdade num projeto coletivo – entre amigos – que nos levou ao patamar de um dos blóguis que possuem mais autores de futebol publicados no Brasil – hoje, dez colunistas, afora os colaboradores -, com conteúdo próprio. Quase todos os escritores de ponta do Fluminense já passaram por aqui ou ainda permanecem na ativa, sem contar os excelentes escribas ainda inéditos em livro, mas com talentos oceânicos às vistas.
Fico felizão de chegar à coluna 700 no PAN, um número raro na história da literatura sobre o nosso clube, no meio dessa turma fantástica.
Agradeço de coração a todos os que têm apoiado esta casa de alguma forma – milhares de tricolores de todas as classes, credos, orientações, posses et cetera.
No anúncio desta marca na internet, recebi diversas manifestações de carinho, amizade e respeito. Isso é muito mais importante do que 700 colunas ou nove livros. O sentido da vida está na amizade, na fraternidade, na camaradagem e sou muito grato ao Fluminense por contribuir para isso. Precisamos de mais amizade, mais camaradagem, mais sentido lúdico, mais gente e, consequentemente, menos pedantismo oco, menos tons professorais e menos charlatanismo travestido de razão. Precisamos de mais Nelson Rodrigues e menos idiotas da objetividade. Ah, e de nenhum imitador de Nelson, pois.
EXTRACAMPO
No gramado, o time já está correspondendo e muito bem, de forma surpreendente se pensarmos em janeiro passado. A atitude, a garra tricolor foi resgatada. O tempo do time sonso em campo, com o treinador sonso à beira dele, já acabou. Ainda falta muita coisa, especialmente para o segundo semestre, mas começamos bem sim, é um fato incontestável.
Que continue assim e progrida. O avanço do Flu é o avanço dos seus torcedores.
Agora, acho que o nosso Tricolor precisa de algo muito importante: a união da sua torcida em todas as esferas, o que inclui diálogo e principalmente saber ouvir – quem ouve mais acaba tendo o que dizer.
Já temos adversários e inimigos demais por aí para literalmente jogarmos contra nós mesmos, sem contar os diversos problemas a serem resolvidos nas Laranjeiras, a começar pela grana.
Senso crítico e lida com a realidade são sempre importantes e devem ser exercidos permanentemente, mas não devem ser confundidos com a mofadíssima picuinha dos paladinos da internéti. Falar é fácil; difícil é construir e agregar.
CENAS DO CENTRO DO RIO
Convido você a conhecer o meu trabalho literário fora do futebol.
“Cenas do Centro do Rio” é uma coletânea de crônicas e minicontos ambientada no coração da Cidade Maravilhosa, em épocas diferentes desde os anos 1960 até 2016.
O prefácio é da querida – e fenomenal – escritora Elika Takimoto, Prêmio Nacional Saraiva de literatura juvenil em 2015. A direção (e capa) é de Zeh Augusto Catalano, escudeiro da casa. Tem uma única foto no miolo do livro, cedida gentilmente pelo jornalista – e supertricolorzaço – Caio Barbosa.
Um abraçaço bem sinistro, que logo mais já tenho que escrever a coluna 701.
Vai, Fluzão!
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: rap/xulla