Era domingo. Acordou cedo. Olhou em volta e percebeu-se em outra realidade. Havia sonhado que era um rei. Tão real! Com pompa e circunstância. Ignorou a verdade e encarnou o devaneio. Ergueu-se orgulhosamente. Assumiu a ideia de rei. Soberano do orgulho e das tradições. Impoluto. Lembrou-se de que a realidade aproximava-o do sonho. Era Fluminense, sentia-se superior.
Eis que não se passaram poucas horas do arroubo de grandeza, sentiu-se fraco. Tonto. Pediu água. Levou a mão ao peito. Dores. Dores. Vamos ao hospital. Não parecia aguentar a caminhada. Táxi! O desespero tomava conta da Mulher. Antes de perder os sentidos, recostou a cabeça em seu colo. Olhou docemente para ela. Tenho de ver o Fluminense.
Era mais tarde. Despertou. Perguntou as horas. Meio-dia. Olhou em volta, percebeu que estava no hospital. O Médico aproximou-se de sua cama. O senhor teve sorte, princípio de infarto, deve ficar em observação. A Mulher assentia com a cabeça. Na dele, só havia espaço para um plano de fuga.
Fingiu dormir. Esperou a Mulher ir ao banheiro, levantou-se, vestiu-se, calçou-se, aprumou-se, partiu. Cambaleou nos corredores, fingiu não ter pressa na recepção, olhou para os lados, disfarçando sua identidade, camuflando sua presença. O movimento no saguão não permitiu que ninguém lhe prestasse atenção. Ganhou a rua. Rumou à casa.
Era tarde. Colheu o ingresso, pôs no bolso. Abriu o armário, retirou a bandeira. Amarrou-a nas costas, como um manto real. Colocou sua cartola em três cores como em ato de coroação. Apressou-se em deixar tudo e dirigir-se ao Maracanã. Preocupou-se em deixar um bilhete. Se tivesse três desejos, pediria seu amor em todos: um em verde, outro em branco e o último em grená. A Mulher no hospital percebera sua fuga e corria em direção a casa. Só encontrou a mensagem.
Era a hora. Cobriu-se de pó de arroz. Regeu a torcida. Comemorou dois gols. Zombou e achincalhou a torcida adversária. Riu-se. Bebeu da felicidade da vida em quarenta e cinco minutos. Quis o destino ensinar-lhe uma lição. Apreensão. Inquietude. Era o empate. Zonzo, começou a desvanecer. A visão embaçava, os sons tornavam-se distantes.
Eram quarenta e dois minutos do segundo tempo de tudo. Como no começo dos tempos. De súbito, tudo ficou claro. Sua alma ameaçou sair pelos olhos. Gol. Era o gol. Título. Campeões! Campeões! Tanta espera. Tanta frustração. Agarrou uma bandeira esquecida em meio à comemoração. O corpo caiu pesado na cadeira azul, como em um trono. Em fração de segundo passou-lhe a vida inteira pela frente. Sorriu. O coração parou. Morreu com um rei na barriga. Era vinte e cinco de junho.
Walace Cestari
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: abril.com.br
Andel: Genial!
Um elogio suspeito de um amigo de tempos mais que perfeitos!