Rumo à eternidade
Era uma vez o começo do século XX. O Rio de Janeiro inebriado pelas luzes de Paris, o Brasil curvado frente a Londres. A promessa de um novo tempo, uma nova capital da república.
Na efervescência das ruas, começou a primeira movimentação para um esporte que, à época, ninguém seria capaz de prever o tamanho ao qual chegou em 2012. Para nossa felicidade, Oscar Cox foi um dos pioneiros e, graças a ele e sua turma, nasceu o Fluminense.
Ao nascer e chorar pela primeira vez, nosso time não era tricolor, mas sim gris e branco, cores sóbrias, ar típico de fog londrino dos tempos de Cox: Convent Garden, Picadilly Circus ou Dockland. Logo depois, foi preciso trocar as cores da camisa, pela falta de tecido disponível – naqueles tempos, era preciso importar da própria Inglaterra, aliás, tudo. E a troca fez do Fluminense o dono de uma das mais charmosas combinações de cores da história do futebol, ao equilibrar o branco original ao lado do grená e do verde, injetando um verdadeiro princípio de artes plásticas no esporte bretão. Quem tem dúvidas sobre a beleza da combinação de matizes do Fluminense é porque nunca foi num estádio de futebol, ou nem tem uma televisão atualmente. Internet mesmo.
Há mais de um século, cabe ao Fluminense o papel de torre de vigia do futebol brasileiro. Dela, é possível descrever todos os passos que levaram nosso esporte preferido da atmosfera de novidade cult até os dias atuais, como paixão continental: a transição do amadorismo para o profissionalismo, a construção da seleção brasileira, o erguimento dos campeonatos regionais até se chegar ao nacional, a formação de torcidas aos milhões. Tudo, absolutamente tudo isso teve, em algum momento, a inspiração ou intervenção direta do time da rua Guanabara, que viria a se chamar Pinheiro Machado. Mas o Fluminense é também ator de outros papéis: donatário de um acervo de elegância, charme (quase redundante), simpatia, candura e motivo do grito forte dos nossos jovens – e o que dizer da beleza irresistível das nossas mulheres, admiradas e cobiçadas por todos?
Cool e vibrante, estiloso mas também simples, o Fluminense nasceu tecnicamente elitista mas jamais se prendeu aos feudos, bem ao contrário do que parte da nefasta imprensa “oficial” tenta vender. Nascemos Cox, fomos Welfare e Barthô, Marcos Carneiro de Mendonça. Preguinho. Romeu, Rodrigues, Batatais, Tim. Castilho. Telê. Pinheiro. Jair Marinho e Altair. Didi. Waldo. Denilson, Lula, Carlos Alberto Torres, Edinho, Assis, Romerito, Delei, Ricardo. Renato Gaúcho. E muito mais. Hoje somos Deco e Fred, também a juventude de Nem, Samuel, Marcos Junio. Não cabem um século e uma década num parágrafo, nem num livro talvez. E não foi só futebol: lembremos a Taça Olímpica, cujo único detentor em todo o Atlântico foi o Fluminense. Muito da excelência vista em várias modalidades desportivas brasileiras nasceu ou foi incrementado nas Laranjeiras – vôlei, natação, esgrima, tiro (nosso Guilherme Paraense ganhou a primeira medalha de ouro do Brasil em uma olimpíada), ginástica, basquete, futebol de salão e tantos mais.
E por falar em livro, o Fluminense é a quintessência da literatura esportiva brasileira, porque em suas fileiras existe Nelson Rodrigues – que fez nas crônicas o que Pelé fazia nos gramados. Hoje, há uma admirável gama de grandes escritores tricolores, que sintetizo no impecável nome de Marcos Caetano – quem leu o que ele escreveu em 2002 entende minha expressão aqui. O Fluminense está na literatura pela sua vocação perene em andar de braços dados com a cultura, a erudição, a sofisticação – nenhuma delas aliada a exageros financeiros, ressalte-se. É o time dos intelectuais e artistas, dos pensadores. Elis Regina? Maria Bethânia? Gilberto Gil? Sergio Brito? Ítalo Rossi? Fernanda Montenegro? Mário Lago? Chico Buarque? João Donato? Eis uma rápida escalação. No passado, havia um preconceito enorme contra o samba; hoje, não há dúvidas de sua importância para a história do Brasil. Basta falar no grande samba, nos gigantes da composição e logo virão à tona nomes como os de Noca da Portela, Wilson Moreira, Délcio Carvalho, Cristina Buarque. É preciso dizer mais alguma coisa? Sim, mas só para esmagar a concorrência: Cartola. Então pensemos num bairro que sintetize o Rio de Janeiro, qual poderia ser? Copacabana. E quem é o grande poeta contemporâneo, escritor que bebe nas fontes do bairro e é dele uma perfeita tradução? O tricolor Fausto Fawcett, ora. Rock? Paulo Ricardo, Renato Russo, João Barone, Dado Villa-Lobos, Evandro Mesquita, Toni Platão: o rock brasileiro é uma bandeira estampada do Fluminense. Era preciso mudar o mundo? Então o tricolor Santos-Dumont surge para inventar o avião.
Volto a falar da pecha elitista que tentam nos impor. É uma sonora bobagem. Não temos culpa de que os nossos torcedores mais modestos em termos de alguma formação – ou mesmo riqueza pessoal – esbanjam boa educação, modos, respeito, a fidalguia do hino. Somos diferentes e isso incomoda muito, embora não mais do que nossa outra vocação inequívoca: a de algoz supremo do “maior de todos”, fato que normalmente entristece redações e estúdios. E nossa diferença vai mais além: todos os capítulos destes cento e dez anos de vida foram escritos a sangue-frio, sem manipulações ou malversações. Nada temos a esconder em nosso passado: lá estão algumas dores terríveis, mas plenamente superadas. Os debochados e apedeutas regularmente apelam para o triste período dos rebaixamentos nos anos 90, mas fingem esquecer que, para cada mazela nossa, temos dez taças de vitória. E mais: eu preferia ser rebaixado cem vezes do que não ter visto os triunfos magnânimos de Edinho em 1980, de Assis monumental e supremo, de Renato no maior jogo de todos os tempos, de Fred agora mesmo em 2012 num título inconteste. Carregamos à pele uma ou outra cicatriz, mas é esta mesma pele que se cobre de joias brilhantes e inesquecíveis. Que outro time teria sobrevivido a tamanho fundo do poço? Só o Fluminense, caros amigos.
Passando por tantas vertentes aqui mencionadas e mais o tradicional de todo time acostumado às conquistas, este foi o rio caudaloso que sempre teve o Fluminense em sua própria gênese. Poucas frases são tão felizes e definitivas como a que abre a página do clube na rede mundial de computadores: “Nós somos a história”. Não há dúvidas.
Não há nada relacionado ao Fluminense que não coadune com beleza e poesia, com suaves aromas e a leveza da geometria perfeita. A verdade é que o Fluminense é um próprio poema em si, mas não um poema curto – na verdade, é algo que merecia a atenção de um Dante, um Camões, oceanos de versos.
Nos céus deste momento, enquanto o Fluminense não entra em campo contra a centenária Ponte Preta depois da excelente vitória sobre o Bahia, Nelson Rodrigues vocifera e ri. Elis Regina aquece as cordas vocais, enquanto Ronaldo Bôscoli faz alguma piada. Telê está ansioso. Pinheiro torce para que, se houver um pênalti, que seja cobrado com muita força. Sergio Brito conversa com Ítalo Rossi sobre a próxima peça. Todos estão numa vistosa sala com vista para o mar e, à esquerda, um piano Steinway é delicadamente martelado nas teclas por ninguém menos do que Tom Jobim. Nossas almas cantam, e isso quer dizer de uma conclusão permanente: o Fluminense é um amor infinito, feito aquele que adentrou um século com toda a facilidade, ganhou nova década e há de perdurar enquanto houver sol.
Paulo-Roberto Andel
@pauloandel
http://paulorobertoandel.blogspot.com
Maravilhoso, emocionante, me arrepiou, como tudo que se refere ao Fluminense. Somos mesmo diferenciados, refinados para sentimentos, e o Fluminense nos eleva aos melhores e mais puros. Parabéns ao nosso grande e eterno Fluminense futebol clube!
Todo tricolor certamente se sentirá lisonjeado/presenteado por lêr uma beleza dessas. Que este registro se propague pela grande rede afim de mostrar um pouco o que o Fluminense e o ser Fluminense realmente significa. Parabéns a todos nós! Saudações Tricolores ***
Todo tricolor certamente se sentirá lisongeado/presenteado por lêr uma beleza dessas. Que este registro se propague pela grande rede afim de mostrar um pouco o que o Fluminense e o ser Fluminense realmente significa. Parabéns a todos nós! Saudações Tricolores ***
Grande craque e meu personal Guru ANDEL, que maravilha de crônica! De onde estiver, nosso TRICOLOR imortal Nelson Rodrigues aplaude junto a todos nós! Sem elitismo, mas com muita nobreza e elegância, todos os agradecimentos em nome da GIGANTE torcida TRICOLOR e do FLUMINENSE FOOTBALL CLUB!
ST!!!
Excelente. Parabéns, conseguiu expressar num texto um pouco do que é ser tricolor. Mas o que sentimos, isso não há como transcrever.
Sts
Parabéns Flu.
Ficou muito bom!!!
Obrigado, Viviana querida! 🙂
EXCELENTE!
Pura emoção!!! Parabéns pelo belíssimo texto!!!! Saudações Tricolores
Perfeito! Fui às lágrimas! É muito bom ser tricolor!
Feliz 110 anos de Flu a todos os tricolores!
Eu que te agradeço por tudo, Caldeira.
Muito bom, Paulo.
Grato, craque Vivone!