101 anos de Fla-Flu- III (por Mauro Jácome)

JACOME 1

1984 – Fluminense 1 x 0 Flamengo – Assis

Esse gol do Assis foi tão importante quanto o de 1983, apesar de aquele ter sido mais cantado em verso e prosa pelo contexto. Assisti ao jogo ouvindo o rádio. Já não era mais o meu ídolo maior: Waldir Amaral. Jorge Cury, também, já havia pendurado o microfone. Era uma nova geração de locutores, liderados por José Carlos Araújo. Saía o romantismo e entrava a narração moderna, veloz. Linguajar atualizado, de gírias. Um detalhe do gol de Assis, em 1984, narrado pelo Garotinho, nunca saiu da minha cabeça: “e o Fillol ficou paradão, paradão, paradão…”. Constantemente, esse trecho volta à minha lembrança:

“Vica tenta baterrr para o campo do adversário. É o Fluminense da Lúcia Alves, tentando tocarrr. Ainda não deu. Vica procurou, rrrasteirinho, para Leomir, vira-se todo pelo grande círculo. Ele procura incrementar jogada para Renê. Renê rrrrrrecolhe pela ponta-direita, passe cocotinha para o Aldo. Aldo domina, virou, deu um cheguinho de novo, pela meia-direita, para Duílio. Passou pelo primeiro que era Tita. Duílio vira vai para entrada da grande área, tocou na ponta-direita para RRRenê, tenta cruzamento, ajeitou-se todo, cruzou para o Aldo, nas costas de Adalberto, na ponta-direita cruzou. Tentou Assis, cabeceou entrooooou, goooooooooooooooooooooooooolão, golão, golão, golão, golão, golão, AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAASSIS, AAAAAAAAASSIS, uma jogada sensacional, um gol de placa, pela direita. Aldo no cruzamento pelo alto. Assis numa cabeçada moooooonumental e o Fillol ficou paradão, paradão, paradão, aos 30, 30, 30 minutinhos do segundo tempo. Assis com a camisa 10. Fluzão 1, poooooodem pagarrrr, Mengão zero.”

JACOME 2

Definitivamente, Assis fixava seu nome na história tricolor. O Jornal do Brasil, de 17 de dezembro daquele ano, decretava:

“Santo forte, traço do destino que ninguém no mundo poderia modificar, ou simples coincidência, comum no futebol? O fato concreto, embora possam surgir milhares de explicações, é que Assis novamente volta a ser o herói do Fluminense confirmando sua incrível vocação para marcar gols decisivos – está-se especializando diante do Flamengo, já que em 1983 fez o gol do título aos 44 minutos – levando a torcida tricolor a um delírio talvez só comparável à época de Rivelino e Francisco Horta.”.

1994 – Fluminense 4 x 2 Flamengo – Ézio

Falar em gols do Fluminense significa lembrar de Ézio. O artilheiro, falecido recentemente, fez a alegria do torcedor tricolor durante cinco anos: 1991 a 1995. Foram 119 gols em 237 jogos. No rol desses gols, três são inesquecíveis: 13 de março de 1994, Fluminense 4 x 2 Flamengo. Ézio precisou, somente, de 14 minutos para balançar as redes do rival por três vezes. O marcado de cabeça, aos 15 minutos do segundo tempo, foi um belo gol. O veloz ponta-direita Mário Tilico arranca da linha lateral, passa como quer pelo seu marcador, Josecler, e, ao chegar na grande área, próximo à linha de fundo, faz o cruzamento certeiro. Ézio, que acompanhava a jogada por entre a zaga rubro-negra, testa forte no ângulo direito do goleiro Gilmar. Era o terceiro gol do Fluminense.

“Sempre gostei de conhecer os estádios pelas cidades onde passei. No dia daquele Fla x Flu, eu estava e Maceió, de férias. Era, também, dia de CSA x CRB pelo campeonato alagoano. Não conhecia o Rei Pelé, estádio da cidade, então, fui para o jogo. E o Fla x Flu? Levei um radinho para tentar acompanhar. Difícil pegar as rádios do Rio de Janeiro no Nordeste. Consegui, com muito chiado, ouvir alguma coisa a partir do intervalo. 1 x 0 Flamengo. A transmissão sumiu e, quando voltou, já estava 1 x 1. Surpreendentemente, o rádio ficou audível na avalanche de gols do Ézio. O estádio estava muito cheio e o interessante foi que muitos torcedores do CRB, eu estava naquela torcida, acompanharam o Fla x Flu e torceram comigo, afinal, o CSA estava batendo o CRB. Final: Flu 4 x 2 Fla e CSA 4 x 1 CRB.” – Mauro Jácome

ÉZIOOOOO

“O Fluminense sempre foi uma fábrica de carrascos rubro-negros. Confesso que naquele treze de março não tinha a esperança de reencontrar um super-herói. Apesar de sempre confiante na vitória tricolor, o Fla abriu o placar e com maioria no estádio fazia pressão. Estava tenso. Veio o segundo tempo e, logo de cara, nossa virada. Quinze minutos mágicos que só um Fla x Flu pode dar aos seus eleitos. E foi na marca dos quinze que Tilico deixou o marcador na saudade e fez a bola flutuar nos céus da área adversária. O coração batia junto com as passadas e o tempo parou para assistir o voo supremo de um super-herói em ação. Como subiu Ézio! Como parou no ar!? Como contrariou a gravidade em tão poucos instantes que durariam eternidades? Uma cabeçada seca, um soco, um petardo. Gol! A força sobre-humana que se fazia história. Eu, um garoto de dezoito anos, via das arquibancadas o renascer de uma lenda. Logo ele, de quem se achava que a glória havia se esquecido. Eu vi Ézio retornar ao panteão. Eu vi o carrasco mais uma vez executar o Flamengo. Amigos, esqueçam-se de todo o resto. Eu vi aquela cabeçada. Eu vi a poesia da bola ao tocar na rede, reverenciando um novo desabrochar. Que golaço. Que herói. Quantas saudades, Ézio.” – Walace Cestari é tricolor de carteirinha, um ateu devoto de São Oscar Cox que reza o terço em verde, branco e grená. Frequentou assiduamente o Mário Filho desde a década de oitenta até o seu fim no século XXI.

1995 – Fluminense 3 x 2 Flamengo – Renato Gaúcho

118 anos

Não há um só ser, que acompanhe futebol, que não tenha a imagem desse gol na lembrança. Tricolores, rubro-negros, neutros. Todos, sem exceção, são capazes de descrever fielmente todo o lance. Amante do rádio que sou, nada traduz melhor do que as narrações dos locutores. Imaginem, nesta transcrição, a vibração de José Carlos Araújo:

“Vem de novo o Fluzão, vem pela direita com Ronald. Domina Ronald, tenta na meia direita. Ele toca na ponta-direita para Aílton. Tenta na linha de fundo. Procurou, trocou de caneta, apontou, trocou de novo, atirou, entrooooou. Goooooooooooooooooooooooooooooooool do Flumineeeeeense. A… A… Aílton, costurou enganando toda a zaga do Flamengo, aos 41. Aílton passa a frente de novo, Fluuuuzããããão, 3, Mengão, 2. Haja coração, galera. Valeu Gílson: valeu galera do Fluzão, faz a festa, faz a festa. Aílton cortou Jorge Luiz para a esquerda, cortou para a direita, cortou para a esquerda, cortou para a direita e mandou uma bomba no canto direito do goleiro Roger. Aílton. Golaço no Maraca. Queeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee jogooooooooooooo!”.

Ou, então, do tricolor Januário de Oliveira, que sempre levava sua paixão pelo Fluminense para os gols que narrava:

“…na direita para Ronald. Vai à luta. Quarenta e um e quinze. Bola na direita. Aílton arma o cruzamento, fez a finta, ajeitou, outra finta mais, bateu e o goooool.

Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooolaçooooooooooooooo.

Aílton. Aílton, ex-rubro-negro, entrou dançando na defesa do Flamengo. Um canhonaço de perna esquerda. A quarenta e dois minutos do segundo tempo. Outra vez o Fluminense na frente. Três a dois. É cruel, é muito cruel, Aílton do Acari, fez o terceiro porque sabe que é disso, é disso que o povo gosta. (repórter de campo entra na transmissão: que Fla x Flu sensacional. Jogadaça do Aílton. Ameaçou cruzar para a área, cortou para dentro, encheu o pé. Um gol de craque. O segundo gol dele no campeonato e um gol que pode dar o título ao Fluminense, depois de nove anos de espera, Januário). Passo um detalhe: eu quero refazer tudo. Foi o Renato que meteu o peito na bola. O grande Renato, Renato, Rambo, veja outra vez. Um bolão do Aílton. Renato mete o peito na bola, caaaala a torcida do Flamengo no Maracanã e em todo o Brasil”

Desde que acompanho o Fluminense, não sei de registro mais emblemático da tradição tricolor, do que esse gol. Trago aqui um interessantíssimo relato de Rodrigo César, o Rods, daqui mesmo do Panorama Tricolor:

“A década de 90 não estava muito boa para o Flu, ficamos em vários vices e a maior risada havia acontecido no 7×1 em cima do Botafogo. Situação meio difícil para um adolescente que gostava de discutir futebol no colégio. Chega 95 e a situação não parece mudar, com apenas um ou outro nome respeitável no elenco tricolor e toda aquela algazarra em cima do centenário mulambo, com festas e “raps”. Mesmo aos trancos e barrancos chegamos à fase final do carioca com imensa desvantagem. Nos superamos a cada rodada e chegamos ao jogo final com a necessidade de vencer. Mesmo não perdendo para eles nos outros três confrontos anteriores (um empate e duas vitórias), o favoritismo era todo de Romário e companhia. Eu tinha 17 anos e morava em Brasília. Fiquei alucinado para ir ao jogo em uma caravana organizada pela Young Flu – DF. Foi quase… Como “excelente aluno” que era, carregava uma dependência em matemática do ano anterior e havia uma prova na segunda-feira. Havia como ir e voltar a tempo? Havia. Mas e o descanso e o estudo? A palavra da minha mãe foi terminativa nisso. Nada de viagem. Tudo bem, tudo bem. Eu e vários amigos tricolores, flamenguistas, um palmeirense e um são-paulino, nos juntamos para assistir o jogo pela tv. No começo ficou um suspense se iam transmitir ou não, mas eis que pela, ainda, Bandeirantes, cinco minutos antes de começar o jogo, a voz de Januário de Oliveira ecoou. No primeiro tempo, 2×0, show tricolor. A maioria flamenguista simplesmente foi embora no intervalo. Por bem, o apartamento era tricolor. Veio a segunda etapa e o sonho virou pesadelo. Dois gols rubro-negros e as expulsões. Ao longe já era possível ouvir os gritos adversários voltando. Aos 40 minutos toca a campainha. Gritei que o dono da casa não atendesse! Só podia ser a volta dos flamenguistas! Fomos juntos abrir e era um vascaíno que entrou berrando: vai ser gol do Renato, de mão, aos 45!!! Eis que aos 43, Aílton avança, corta para um lado, corta para o outro e chuta. Na hora eu tive certeza que vi a bola batendo na mão do Renato e que já deviam ser 45 minutos. Olhei incrédulo para o profeta vascaíno e comemorei abraçado a ele. Depois disso, não me lembro mais o que aconteceu no jogo, mas apenas que fiquei ajoelhado frente à TV, agarrado em uma velha bandeirinha tricolor (já encardida e com as cores bem apagadas) que meu pai me deu em 1984. Fim de jogo, início do choro feliz e da alegria eterna daquele momento. Festa no tradicional ponto de encontro candango, o Gilberto Salomão, que ficou completamente tricolor naquela noite. A prova? Consegui fazer, mesmo aos pedaços. Passei. O resto é história…”.

As histórias se multiplicam. São milhões. Cada tricolor tem a sua e nenhuma é banal, comum, trivial. Parece que todos os tricolores foram eleitos para que, naquele dia, cada um passasse por situações de provação. Outro depoimento nesses moldes:

“Eu vi o jogo próximo à Young. O primeiro tempo foi só nosso. Fizemos dois gols, e poderíamos ter feito mais. Infelizmente, o Sr. Joel, recuou o time, e chamamos eles pra cima da gente. Isso, numa final, é suicídio total. Eu te confesso, que após a expulsão do Lira, eu não tinha mais expectativas de vencermos aquela partida. Quase fui embora. Só não fui, porque meu tio não quis acompanhar-me, mas, digo uma coisa: quando o finado Ézio recebeu aquela bola e deu pro Ronald, eu pressenti que viria coisa boa. E veio. Aquele gol espetacular do Renatão de barriga. Abracei o meu tio e lhe agradeci, pois, se não fosse por ele, eu não teria visto o gol que mais me emocionou dentro de um estádio.” – Fabrício Maturana, 34 anos, trabalha em telemarketing e, desde 1985, segue o Fluminense pelos estádios do Rio de Janeiro.

No próximo capítulo, continuaremos a reviver gols marcantes do original clássico das multidões.

Capítulo 2: http://www.panoramatricolor.com/101-anos-de-fla-flu-ii-por-mauro-jacome/

Mauro Jácome

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagens: JB/Globo/PRA

Revisão preliminar: Rosa Jácome

6 Comments

  1. EU LEMBRO DESSE JOGO, ESCUTEI NO RADIO, FOI MUITO EMOCIONANTE……….

  2. Mauro, série maravilhosa, sobre o maior clássico do mundo.
    Te parabenizo!
    ST4!

  3. Grande, Mauro, fazendo-nos relembrarmos grandes momentos! Show!

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